Arquivo mensais:outubro 2012

Programas verticais fazem mal à Saúde da Família

Duas semanas atrás eu dizia que uma das formas de melhorar o acesso à atenção básica é deixar os pacientes saírem das caixinhas em que teimamos em guardá-los. Essas “caixinhas” são chamadas tecnicamente de programas verticais. Em vez de defini-los formalmente, explico reproduzindo o depoimento de um médico a uma dupla de pesquisadores (Gomes & Silva, 2011):

Várias gavetas de madeira subdividididas em várias caixinhas, contento material variado.

Eu trabalho com cronograma, cada dia tem um programa diferente, segunda feira, pela manhã, eu faço puericultura, à tarde eu faço livre demanda; terça realizo visita domiciliar, à tarde livre demanda; quase todo dia eu tenho livre demanda porque o povo quer realmente é se consultar, eles não querem saber de organização, não. Na quarta-feira atendo as gestantes, à tarde livre demanda; na quinta-feira, pela manhã, como eu tenho 425 hipertensos e 76 diabéticos, eu organizo por agente de saúde o atendimento toda quinta-feira. Na sexta-feira, como a gente só trabalha meio expediente, até as 13 horas, eu atendo livre demanda.

Os programas verticais são uma herança da década de 80, quando ainda não havia o SUS (OMS, 2005). Basta ler o Relatório Mundial de Saúde 2008 (OMS, 2008) para perceber que a persistência dos programas verticais, focados em condições de saúde (como a hipertensão ou a suscetibilidade ao câncer de colo de útero) é uma característica dos países onde as pessoas só tem direito àquilo que faz parte de algum desses programas. Já no caso do Brasil, a Constituicão diz claramente que os cidadãos têm direito ao atendimento integral, ou seja, a todas as suas necessidades.

Continue lendo

Nota rápida: roda de discussão clínica neste sábado

Eu já havia divulgado anteriormente que a Associação Capixaba de Medicina de Família e Comunidade (ACMFC) está realizando, mensalmente, um programa de educação continuada chamado rodas de discussão clínica. O que eu ainda não tinha dito é que uma das rodas seria conduzida por mim: neste sábado, dia 27 de outubro de 2012, às 09 horas, no auditório do CRM-ES, discutiremos a abordagem da cólica renal pelo médico de família e comunidade.

Não por acaso, este é o assunto do meu capítulo no Tratado de Medicina de Família e Comunidade. Como eu comentei na ocasião do lançamento do livro, o conteúdo do capítulo está diferente do que seria encontrado num livro de clínica médica ou de urologia, simplesmente porque o campo de ação do médico de família e comunidade também é diferente. Para ficar em um único exemplo, é fundamental que o médico de família e comunidade saiba que a maior parte dos cálculos urinários são expelidos espontaneamente, mas as pessoas que chegam ao urologista já tem uma probabilidade muito maior de precisar de uma intervenção.

Como garantir acesso ao atendimento médico nas unidades de saúde

Semana passada eu escrevi sobre a futilidade de se discutir prioridade no atendimento à saúde, com ênfase para as unidades básicas de saúde. A partir do momento em que a maioria das pessoas a serem atendidas têm prioridade, o melhor é deixar de discutir quem passa na frente, e providenciar para que todos sejam efetivamente atendidos, e logo.

Isso também vale para o atendimento às urgências nas unidade de saúde. Num pronto-socorro, onde quase todos os atendimentos são de urgência, faz sentido usar um sistema de triagem (ou acolhimento) para avaliar quem precisa ser atendido antes dos demais. Já numa unidade básica de saúde, quase toda demanda espontânea é pouco ou nada urgente, ao menos em termos biomédicos, o que não significa que possa esperar até o agendamento do mês que vem.

Não adianta gastar tempo, espaço físico e recursos humanos avaliando, por exemplo, o grau de urgência do atendimento a alguém que acabou de perder uma receita de medicamento para prevenir crises convulsivas. Se o atendimento não for realizado logo, a pessoa irá piorar de sua condição clínica e aí será uma emergência. E, se for para atender mesmo à pessoa, que tal fazer isso hoje, ou num prazo de 48 horas, para evitar o acúmulo de serviço?

Continue lendo

Prioridade para idosos no atendimento à saúde

Aqui em Vitória é muito comum os idosos exigirem prioridade no atendimento em unidades básicas de saúde. Essa exigência é polêmica, pois muitas pessoas entendem que os idosos têm menos compromissos e, portanto, menos pressa. Mas é lei: tanto o Estatuto do Idoso quanto a Lei nº 10.048 dão prioridade (absoluta, pelo Estatuto) no atendimento.

O problema é que a mesma Lei nº 10.048 também dá prioridade a portadores de deficiência, gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas por crianças de colo. Além disso, a Constituição dá prioridade absoluta para crianças, adolescentes e jovens. Os jovens são uma novidade: a prioridade foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010. A definição de “jovens” deverá ser estipulada pelo Estatuto da Juventude; alguns defendem a faixa etária de 18 a 21 anos, mas a Organização Ibero-americana de Juventude propõe que seja dos 15 aos 29 anos de idade.

Continue lendo

Saúde da Família dá voto

Os colegas do Rio de Janeiro (RJ) dizem que o candidato à reeleição para prefeito lá está com 57% de intenções de votos. Não dá para deixar de associar o eminente sucesso eleitoral à política de saúde do município, que aliás já foi motivo de um artigo neste blog, em 2010: “Rio de Janeiro amplia Saúde da Família“.

Os cariocas reconhecem a importância da estratégia Saúde da Família e do médico de família e comunidade. Basta observar que, enquanto a atual presidenta Dilma Rousseff mal tocou no assunto em sua campanha eleitoral, Eduardo Paes enche a boca para falar de nós. Confira neste vídeo, aos 6 minutos e 50 segundos: