A relação reversa entre atividade física e demência

A falta de atividade física é um dos principais fatores de risco para a saúde no Brasil, assim como no resto do mundo. A importância da atividade física é devida principalmente a sua relação com doenças cardiovasculares e câncer; sua relação com a demência é mais controvérsia. Estudos observacionais indicam que as pessoas com baixos níveis de atividade física têm maior risco de receberem o diagnóstico de demência nos anos seguintes; mas estudos de intervenção não têm comprovado o suposto efeito protetor da atividade física sobre a demência.

A revista The BMJ publicou recentemente um estudo europeu sobre a relação entre demência e atividade física, com base na coorte Whitehall II. Essa coorte é uma pesquisa que incluiu mais de 10 mil servidores públicos britânicos com 35 a 55 anos de idade na década de 80, e os tem acompanhado desde então. Ao longo de um acompanhamento que durou em média 27 anos, essas pessoas foram avaliadas várias vezes com relação ao nível de atividade física e ao funcionamento da mente, entre outras características relevantes. O diagnóstico de demência foi obtido a partir do sistema de saúde público da Inglaterra, que é usado até por quem tem plano de saúde para o tratamento de problemas de saúde clínicos e/ou crônicos.

Os autores do estudo analisaram os dados considerando o momento do diagnóstico de demência como “tempo zero”, e para cada pessoa com diagnóstico de demência escolheram seis controles, pessoas com características semelhantes exceto pelo diagnóstico de demência. Então os autores analisaram os níveis de atividade física dos dois grupos (com e sem demência) nos vinte e oito anos precedendo o “tempo zero”.

Gráficos de linhas com a média semanal de horas de atividade física leve e moderada/intensa, entre as pessoas que receberam e as que não receberam um diagnóstico de demência.

Trajetórias de atividade física nos 28 anos precedentes ao diagnóstico de demência. © Séverine Sabia e colaboradores, 2017. Distribuído sob a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 3.0 OIG.

O resultado, como se pode ver acima, é que no início os dois grupos tinham níveis muito semelhantes de atividade física, mas se distanciaram com a proximidade do diagnóstico.

Já é bem conhecido que a demência não vem de uma hora para a outra; ela é precedida por anos de “declínio cognitivo leve”. Nessa fase, a pessoa ainda não tem demência, mas sua mente já não funciona tão bem quanto antigamente. Este estudo mostrou que é justamente nessa fase que as pessoas diminuem seus níveis de atividade física.

Os autores interpretaram isso como indicando que o declínio cognitivo leve e, posteriormente, a demência causam uma diminuição de atividade física, e não o contrário. Essa interpretação é perfeitamente compatível tanto com os dados deste estudo quanto com os resultados dos estudos anteriores, o que é um bom sinal de que esteja correta.

Não é a primeira vez em que esse tipo de situação aparece. Um estudo já mostrou que a obesidade diminui a atividade física, embora não tenha conseguido analisar a outra via da relação. Além disso, quando uma pessoa fica agudamente doente, por exemplo por causa de uma gripe, a atividade física diminui e nem por isso a gente acredita que a falta de atividade física tenha causado a gripe.

Em suma, a atividade física continua sendo considerada benéfica para a saúde, mas a prevenção da demência não deve mais ser considerada um dos motivos para se praticar atividade física.

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