Mamografia aos 40 anos é controversa

Chegamos ao fim de mais um Outubro Rosa: vários monumentos públicos foram iluminados, e os meios de comunicação deram mais espaço para o combate ao câncer de mama. Este é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres (depois o câncer de pele não-melanoma), e está entre as 15 doenças que mais comprometem a saúde da mulher brasileira. A mamografia é o melhor exame para a detecção precoce, mas ainda existem controvérsias sobre quais mulheres devem fazê-lo, e com que frequência. Por isso, o Doutor Leonardo vai publicar uma série de quatro artigos sobre dúvidas no rastreamento do câncer de mama, expondo os prós e os contras de cada opção.

Mama sendo comprimida para obter imagem mamográfica ótima.

© Governo federal dos Estados Unidos da América (domínio público)

A maior polêmica, no Brasil e no resto do mundo, é se as mulheres com 40 a 49 anos de idade devem ou não ser submetidas ao exame. A Femama recomenda que todas as mulheres nessa faixa etária façam mamografia anualmente. O Inca, por outro lado, recomenda que a mulher só realize mamografia de rotina a partir dos 50 anos de idade, a não ser que tenha fatores de risco adicionais.

O Inca recomenda que a mamografia seja feita anualmente, desde os 35 anos de idade, entre as mulheres cuja mãe, irmã ou filha tenham tido câncer de mama antes dos 50 anos de idade; entre as mulheres cuja mãe, irmã ou filha tenham tido câncer de mama nos dois lados ou então câncer de ovário em qualquer faixa etária; entre as mulheres com algum caso na família de câncer de mama em homem (sim, isso existe); e entre as mulheres que já tiveram lesão mamária proliferativa com atipia ou neoplasia lobular in situ (não se preocupe, seu médico sabe o que é isso). Estima-se que 1% das mulheres brasileiras entre 40 e 49 anos de idade estejam nessa condição; as outras (de acordo com o Inca) só devem fazer mamografia nessa faixa etária se o exame clínico das mamas (pelo médico ou enfermeiro) encontrar alguma alteração.

Ao contrário do que eu diria até pouco tempo atrás, hoje em dia já existe comprovação científica de que fazer mamografia todo ano diminui a mortalidade por câncer de mama entre os 40 e os 49 anos de idade. O problema é que, como o número de casos é bem menor nessa faixa etária, a utilidade do exame diminui muito. Além disso, como já expus no artigo Nem sempre é melhor prevenir do que remediar, fazer exames de rotina também expõe a pessoa a riscos. No caso da mamografia, o maior risco são os exames falso-positivos, em que a mamografia detecta um nódulo que na verdade não é câncer. Nesses casos, a mulher é obrigada a fazer exames adicionais, e até cirurgia, que não seriam necessários se ela não tivesse feito a mamografia. Além disso, boa parte dos casos de câncer são causados pela radiação de radiografias, tomografias, mamografias e similares. Não que um exame aumente em muito o risco, mas quando o exame é desnecessário, qualquer risco de dano é inaceitável.

No caso da mamografia, não existe comprovação de que o exame faça (ou não) mais mal do que bem em qualquer faixa etária. Levando em consideração que a mamografia diminui o risco de morte por câncer de mama em cerca de 15%, vale a pena fazer o exame se ele sair de graça. Sair de graça significa um plano de saúde sem co-pagamento (ou seja, que não seja participativo), ou um exame particular que a mulher pretenda abater integralmente do imposto de renda. Para o resto das mulheres, o custo-benefício precisa ser levado em consideração — mesmo nos Estados Unidos, onde o risco de câncer de mama é o dobro do risco no Brasil, e os mamógrafos são mais baratos.

Do ponto de vista individual, fazer mamografia pelo SUS é de graça. Mas, do ponto de vista da gestão, o orçamento é limitado, de forma que oferecer mamografia significa deixar de oferecer outros serviços.

Em fevereiro deste ano a Revista Brasileira de Cancerologia publicou um estudo brasileiro de custo-efetividade (custo-benefício) da mamografia. Os pesquisadores brasileiros chegaram à conclusão de que a mamografia anual dos 40 aos 49 anos de idade custaria R$ 11.648,30 para cada ano de vida ganho, quando comparado aos R$ 7.469,43 para cada ano de vida ganho com a mamografia bianual dos 50 aos 69 anos de idade. Em 2006, cada brasileiro ganhou em média R$ 12,5 mil (por ano), e colocou R$ 449,93 (por ano) no SUS.

Dessa forma, a própria inclusão da mamografia no SUS, e ainda mais a sua extensão para as mulheres com 40 a 49 anos de idade significa que os homens e as mulheres de outras faixas etárias terão menos dinheiro para a sua saúde. Não que isso esteja necessariamente errado, mas é uma decisão que precisa ser tomada de forma consciente e com muito cuidado.

Além disso, o IBGE estima que 28,9% das mulheres com 50 a 69 anos de idade nunca fizeram mamografia na vida. Levando em consideração que a custo-efetividade da mamografia nessa faixa etária é 55,9% maior do que aos 40-49 anos, faz sentido garantir primeiro a mamografia do primeiro grupo antes de estendê-la para o segundo.

Em suma, do ponto de vista individual vale a pena fazer a mamografia todo ano, na faixa etária dos 40 aos 49 anos, se a mulher não tiver que tirar dinheiro do bolso, ou se ela estiver disposta a pagar o preço apesar do menor retorno. Já a oferta da mamografia no SUS depende de uma decisão que a sociedade precisa tomar com muita cautela. Em especial, não faz sentido deixar de oferecer serviços com melhor custo-efetividade para oferecer serviços com pior custo-efetividade.

Talvez você tenha percebido que, com relação à faixa etária entre os 50 e os 69 anos de idade, falei o tempo todo em mamografia a cada 2 anos, e não todo ano. Daqui a alguns dias explico o porquê disso.

12 pensou em “Mamografia aos 40 anos é controversa

  1. Patrícia

    Acho que a mulher deve se cuidar sim e fazer o exame de rotina desde os 35 e não só após, não necessariamente anual, visto que esta doença acomente muitas mulheres. E acho também que o custo deve ser do SUS, já que prevenção é o melhor remédio.
    Adoro seus artigos.
    Virei seguidora assidua;
    (=

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    1. Leonardo Fontenelle Autor do post

      Obrigado pela preferência, Patrícia!

      Achei curioso o seu smiley invertido, e respeito sua aversão aos smileys gráficos.

      Quanto à prevenção, esse ditado é muito bonito na teoria, mas é preciso avaliar a efetividade das intervenções que propomos aos nossos pacientes como importantes. Por exemplo, fazer ecodoppler de carótidas em idosos de baixo risco pode causar um AVC para cada AVC prevenido.

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    1. Leonardo Fontenelle Autor do post

      A mulher submetida a mamografia nesta imagem sente relativamente pouca dor, porque tem uma mama com muita gordura e pouca glândula. Em uma mulher com 40 e tantos anos, a mamografia dói ainda mais.

      Sinceramente, não sei se mamografia dói muito em homens. O câncer de mama em homens é raro, e a mamografia não é indicada de rotina, então nunca tive um paciente masculino que tenha feito o exame.

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  6. Gustavo Loubet Guimarães

    Parabéns e obrigado, Leonardo!
    Não é comum encontrar avaliações tão completas e bem fundamentadas sobre a controvérsia em torno deste tema, e ainda com referências diretas sobre a literatura referenciada. Excelente!
    Como médico da área de gestão de saúde corporativa, posso garantir que seu artigo contribuiu muito por colocar todos os ângulos em foco.

    Agradeço novamente!

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