De vez em quando ouço alguém reclamar que as pessoas estão cada vez mais doentes. Algumas pessoas falam até mesmo em uma epidemia de doenças não transmissíveis! Eu até concordo que as pessoas saudáveis (no sentido em que eu e os leitores usamos a palavra) têm sido transformadas em pacientes, na medida em que a medicina se preocupa com as causas das doenças, as causas das causas, e por aí em diante.
Mas, por outro lado, a expectativa de vida está aumentando década após década. Isso não pode ser tão ruim assim! Mesmo as pessoas que se sentem efetivamente doentes não reclamam de viver alguns anos a mais.
E as pessoas estão permanecendo ativas e sadias por cada vez mais tempo. Algumas décadas atrás uma mulher com 50 anos de idade seria considerada velha, mas hoje uma mulher dessa idade nem ao menos aceita ser chamada de “senhora”.
Recentemente, procurando por outra informação na quarta edição do livro Medicina Ambulatorial, encontrei o gráfico acima, e resolvi compartilhar com vocês, meus queridos leitores. O gráfico também pode ser encontrado, em tons de cinza, num artigo publicado em 2012 pela revista Ciência & Saúde Coletiva, mas os autores generosamente me enviaram a versão em cores.
O gráfico mostra como evoluiu, em 20 anos, a taxa de mortes (mortalidade) no Brasil por cada um de 5 subgrupos das doenças não transmissíveis, tanto para homens quanto para mulheres. Repare que as doenças cardiovasculares são o subgrupo de doenças não transmissíveis com maior mortalidade. Felizmente, a mortalidade por doenças cardiovasculares está diminuindo, num ritmo de cerca de 33% em 20 anos.
Os motivos para isso são tão variados quanto as próprias causas das doenças cardiovasculares. Um dos motivos é que, ao longo das últimas 5-7 décadas, essa área recebeu muita pesquisa e desenvolvimento, e se beneficiou muito da expansão dos gastos com assistência à saúde.
No Brasil, por exemplo, a criação e expansão do Programa Saúde da Família (PSF), hoje chamado estratégia Saúde da Família (ESF), ampliou dramaticamente o acesso dos brasileiros à atenção primária à saúde, e portanto ao diagnóstico e tratamento da hipertensão arterial. Como a pressão arterial elevada está associada ao derrame ainda mais do que ao infarto, a mortalidade por derrame caiu no Brasil ainda mais do que a mortalidade por infarto. Em dez anos, o derrame perdeu para o infarto a posição de principal causa de morte no Brasil.
Mas o setor de assistência á saúde é apenas uma das formas da sociedade influenciar a saúde das pessoas. O início da diminuição da mortalidade cardiovascular coincide com o controle da inflação, controle esse que ajudou as pessoas a continuar com dinheiro até o fim do mês. Eu me lembro claramente de como se alardeava, na época, que o controle da inflação tinha aumentado o consumo de frango pela população.
O aumento do consumo de alimentos também depende de preços acessíveis, que dependem de toda uma tecnologia para cultivo, processamento e distribuição. Voltando ao exemplo do frango, antigamente ele podia até ser mais gostoso, mas a maioria dos brasileiros só o comia em ocasiões especiais. Hoje em dia deixou de ser aceitável que algumas famílias não tenham o que comer.
Na medida em que as pessoas deixaram de passar fome, e as máquinas passaram a trabalhar cada vez mais para nós, as pessoas ficaram cada vez mais gordas no Brasil. Isso já não me preocupa tanto desde que descobrimos que pessoas com sobrepeso ou obesidade grau 1 têm mortalidade igual ou menor que a das pessoas com peso dito normal, de acordo com o IMC. Mesmo assim, não podemos nos esquecer de que, quanto mais gorda é a pessoa, maior é seu risco de desenvolver uma série de doenças não transmissíveis.
Por outro lado, cada vez menos pessoas fumam no Brasil. A Lei Federal nº 9.294, de 1996, trouxe resultados palpáveis no combate ao tabagismo, tanto que a Organização Mundial da Saúde (OMS) escolheu o Brasil para coordenar a criação da Convenção-Quadro de Controle do Tabaco, que entrou em vigor em 2005. Em 2008 o Brasil já tinha mais ex-fumantes do que fumantes atuais.
Os leitores de longa data deste blog podem estar até cansados de me ler comentando sobre a importância do acordo do governo com a indústria alimentícia para reduzir o sódio da comida industrializada. Esse acordo é recente demais para ter diminuído a mortalidade nos anos retratados pelo gráfico, mas antes houve outro acordo, para a retirada da gordura trans, que é ainda mais maléfica que a gordura saturada.
Pena que o acordo para a redução do açúcar nos alimentos industrializados ainda esteja patinando.
Por fim, nossa distribuição de renda melhorou consideravelmente na última década, graças ao aumento efetivo do salário mínimo e ao fortalecimento do Programa Bolsa Família. Mesmo entre os ricos, a desigualdade de renda reduz os níveis de saúde e aumenta a mortalidade, através de mecanismos que compreendemos apenas em parte.
Mesmo sem discutir algumas melhorias pelas quais o mundo tem passado nos últimos séculos, vocês já devem ter percebido que tenho motivos de sobra para acreditar que estamos vivendo num mundo cada vez melhor.
É pena que nem tudo melhore por igual. Eu adoraria, por exemplo, se neste Ano Novo o Papai Noel trouxesse um país menos violento.
RT @doutorleonardo: A saúde dos brasileiros está melhorando ano após ano http://t.co/M7tPlySPpX
Também compartilho do pensamento de que estamos melhores em termos de saúde, e de que o saudosismo é mal informado. Entretanto, temo que o excesso da medicalização possa vir a ser muito pior no futuro, principalmente na psiquiatria e na medicina intensiva.
Abraço!
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