{"id":1021,"date":"2010-08-11T00:00:11","date_gmt":"2010-08-11T03:00:11","guid":{"rendered":"http:\/\/leonardof.med.br\/?p=1021"},"modified":"2010-09-18T12:46:52","modified_gmt":"2010-09-18T15:46:52","slug":"nem-sempre-e-melhor-prevenir-do-que-remediar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/leonardof.med.br\/2010\/08\/11\/nem-sempre-e-melhor-prevenir-do-que-remediar\/","title":{"rendered":"Nem sempre \u00e9 melhor prevenir do que remediar"},"content":{"rendered":"

Passei em frente a uma cl\u00ednica de ultrassonografia, e encontrei uma faixa incentivando todo o mundo a fazer um ecodoppler de suas car\u00f3tidas<\/a>. \u00c9 um exame inofensivo, que avalia o fluxo sangu\u00edneo nas art\u00e9rias car\u00f3tidas. Se houver uma obstru\u00e7\u00e3o, isso pode indicar uma placa de colesterol. O estreitamento (estenose) da car\u00f3tida provocado pela placa de colesterol \u00e9 um dos principais fatores de risco para um AVC<\/abbr> (derrame), e existe uma cirurgia capaz de remover a placa de colesterol e prevenir o AVC.<\/p>\n

\"Pessoa<\/a>

\u00a9 Greg Younger (alguns direitos reservados<\/a>)<\/p><\/div>\n

O exame parece ideal para ser inclu\u00eddo num check-up<\/cite> anual<\/q>, mas antes de procurar seu m\u00e9dico confira o racioc\u00ednio a seguir. Voc\u00ea vai ver que as coisas n\u00e3o s\u00e3o t\u00e3o bonitas assim.<\/p>\n

<\/p>\n

Estima-se que 1% dos idosos assintom\u00e1ticos tenham estenose de car\u00f3tida. Assintom\u00e1ticos<\/q> aqui significa que essas pessoas nunca tiveram um AVC, e tamb\u00e9m n\u00e3o t\u00eam nenhum sintoma atribu\u00edvel a uma estenose de car\u00f3tida. (Estamos falando de um exame de rotina.) Os n\u00fameros a seguir seriam ainda mais desfavor\u00e1veis se consider\u00e1ssemos a popula\u00e7\u00e3o geral, mas \u00e9 na terceira idade que o risco de um AVC fica consider\u00e1vel. Para tornar as coisas um pouco mais palp\u00e1veis, imagine que um grupo de 1000 idosos assintom\u00e1ticos far\u00e1 um ecodoppler de suas car\u00f3tidas. O exame detectar\u00e1 estenose em 108 idosos.<\/p>\n

O motivo disso \u00e9 que o exame detecta estenose nas car\u00f3tidas de 10% das pessoas que n\u00e3o<\/em> t\u00eam a doen\u00e7a. Como naquele grupo de 1000 idosos apenas 1% das pessoas t\u00eam estenose de car\u00f3tidas, quase todas os idosos assintom\u00e1ticos com um resultado positivo n\u00e3o<\/em> t\u00eam estenose de car\u00f3tida. Mais precisamente, para cada 108 idosos com um resultado positivo, apenas 9 t\u00eam a doen\u00e7a. S\u00e3o 9, e n\u00e3o 10, porque o ecodoppler s\u00f3 detecta 90% dos casos de estenose de car\u00f3tida.<\/p>\n

(Repare que a soma de 10% com 90% \u00e9 100%, mas isso \u00e9 uma pura coincid\u00eancia. Em praticamente todos os exames, a soma dessas probabilidades d\u00e1 outros valores, maiores ou menores do que 100%. Se eu estivesse inventando os n\u00fameros, inventaria outros para evitar a necessidade deste par\u00e1grafo, mas infelizmente os n\u00fameros s\u00e3o reais.)<\/p>\n

Voltando aos nossos idosos, de cada 108 com exame positivo, 9 est\u00e3o doentes. Ser\u00e1 necess\u00e1rio confirmar a estenose de car\u00f3tida com uma angiografia, que \u00e9 o padr\u00e3o ouro. \u00c9 ela que usamos para saber qual o grau de acerto do ecodoppler. Infelizmente, a angiografia \u00e9 um exame invasivo, que causa AVC em 1% das pessoas examinadas.<\/p>\n

Depois de fazermos o ecodoppler em 1000 idosos e confirmarmos os resultados positivos com a angiografia, teremos 891 pessoas com um resultado normal desde o come\u00e7o; 1 pessoa com estenose da car\u00f3tida sem saber disso; 9 pessoas com estenose confirmada; e 99 pessoas que ter\u00e3o tomado um susto para depois descobrir que n\u00e3o tinham estenose. Quer dizer, 98 pessoas ter\u00e3o recuperado-se do susto, enquanto 1 outra ter\u00e1 tido um AVC provocado pela angiografia.<\/p>\n

Os 9 pacientes com estenose confirmada dever\u00e3o passar por uma cirurgia vascular chamada endarterectomia<\/q>, que efetivamente elimina a estenose das car\u00f3tidas, mas que na melhor das hip\u00f3teses tem um risco de 3% de causar um AVC. Se fiz\u00e9ssemos a cirurgia em todas as 108 pessoas com ecodoppler positivo, causar\u00edamos 3 AVC, contra apenas<\/q> 1 AVC causado pela angiografia.<\/p>\n

At\u00e9 a\u00ed a conta seria favor\u00e1vel, 9 AVC prevenidos contra 1 provocado. Mas na verdade, nem todas as pessoas com estenose de car\u00f3tida teriam um AVC. Estamos falando de um exame de rotina, em pessoas sem qualquer sinal ou sintoma atribu\u00edvel a uma placa de colesterol na car\u00f3tida. Essas pessoas, quando t\u00eam uma estenose de car\u00f3tida, t\u00eam um risco de 11% de sofrer um AVC num per\u00edodo de 5 anos. Das 9 pessoas operadas, apenas 1 teria um AVC sem a cirurgia.<\/p>\n

Resumindo, se fizermos um ecodoppler em todos os idosos assintom\u00e1ticos, causaremos um derrame para cada derrame prevenido. Isso sem levar em considera\u00e7\u00e3o o custo dos procedimentos!<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 minha inten\u00e7\u00e3o aqui criticar o ecodoppler das car\u00f3tidas. Eu s\u00f3 peguei o exame como exemplo porque, mais ou menos no mesmo dia em que passei pela propaganda, li um artigo (em ingl\u00eas)<\/a> do cardiologista Eric Van De Graaff expondo os n\u00fameros acima.<\/p>\n

Eu gostaria mesmo \u00e9 de abrir os olhos dos leitores (e dos m\u00e9dicos) para o fato de que nenhum exame, por melhor que seja, substitui o racioc\u00ednio m\u00e9dico. Deixo aqui uma dica: se voc\u00ea simplesmente pedir para um m\u00e9dico solicitar um exame (ou renovar uma receita, por exemplo) existe uma grande chance de que ele fa\u00e7a exatamente isso, simplesmente para lhe agradar sem fazer esfor\u00e7o. (J\u00e1 abordei essa quest\u00e3o em um artigo anterior, sobre os sintomas da sinusite<\/a>.)<\/p>\n

Em vez disso, fa\u00e7a perguntas, como por exemplo se existe algum exame que possa realmente ajudar a prevenir a doen\u00e7a com a qual voc\u00ea est\u00e1 preocupado. Ou ainda, se o exame detecta a doen\u00e7a cedo o suficiente para que isso faz alguma diferen\u00e7a. No caso do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, por exemplo, tudo indica que os exames de rotina n\u00e3o valham a pena<\/a>.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Os exames de rotina n\u00e3o s\u00e3o completamente confi\u00e1veis.<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[45,106,84,72],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1021"}],"collection":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=1021"}],"version-history":[{"count":29,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1021\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":1381,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/1021\/revisions\/1381"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=1021"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=1021"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=1021"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}