{"id":3937,"date":"2015-08-04T11:00:14","date_gmt":"2015-08-04T14:00:14","guid":{"rendered":"http:\/\/leonardof.med.br\/?p=3937"},"modified":"2016-03-06T10:15:21","modified_gmt":"2016-03-06T13:15:21","slug":"sal-de-menos-parece-fazer-mal-a-saude","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/leonardof.med.br\/2015\/08\/04\/sal-de-menos-parece-fazer-mal-a-saude\/","title":{"rendered":"Sal de menos parece fazer mal \u00e0 sa\u00fade"},"content":{"rendered":"

Todo o mundo sabe que, quanto maior o consumo de sal, maior a press\u00e3o arterial; e que, quanto maior a press\u00e3o arterial, maior o risco de doen\u00e7as cardiovasculares como o infarto e o derrame, que s\u00e3o algumas das principais causas de morte e incapacidade do Brasil e no mundo. Al\u00e9m disso, est\u00e1 claro que o controle da press\u00e3o arterial com medicamentos diminui o risco de doen\u00e7as cardiovasculares e das mortes causadas por elas. No entanto, apesar da diminui\u00e7\u00e3o do consumo de sal melhorar a press\u00e3o arterial, nenhum estudo at\u00e9 hoje mostrou diretamente que a diminui\u00e7\u00e3o do consumo de sal previne as doen\u00e7as cardiovasculares (card\u00edacas ou do resto do aparelho circulat\u00f3rio).<\/p>\n

Essa \u00e9 uma das quest\u00f5es abordadas pelo estudo Epidemiol\u00f3gico Prospectivo Urbano e Rural<\/cite> (“PURE”<\/span>, do ingl\u00eas Prospective Urban and Rural Epidemiologic<\/cite>). Iniciado em 2002, Esse estudo observou mais de cem mil pessoas, em v\u00e1rias dezenas de comunidades, tanto na \u00e1rea urbana quanto na rural, em pa\u00edses de todos os continentes e com todos os n\u00edveis de renda, inclusive o Brasil. O artigo sobre a rela\u00e7\u00e3o entre o consumo de sal e as doen\u00e7as cardiovasculares<\/a>, publicado no New England Journal of Medicine<\/cite>, foi t\u00e3o surpreendente que eu demorei um ano para trazer a novidade a voc\u00eas, para ter certeza de que eu tinha mesmo entendido a mensagem.<\/p>\n

\"Tr\u00eas<\/a>

Rela\u00e7\u00e3o entre o s\u00f3dio e as chances da pessoa (A) morrer por qualquer causa ou sofrer um evento cardiovascular maior (desenvolver infarto, derrame ou insufici\u00eancia card\u00edaca, ou morrer por qualquer causa cardiovascular); (B) morrer por qualquer causa; e (C) sofrer um evento cardiovascular maior. Cada 1 grama de s\u00f3dio excretado equivale a 2,5 gramas de sal consumidos. Fonte: New England Journal of Medicine<\/span> 2014;371:612-623<\/a>.<\/p><\/div>\n

<\/p>\n

As pessoas que consumiam entre 10 e 15 gramas de sal (4 a 6 gramas de s\u00f3dio) por dia foram as que tiveram menores chances de sofrer um infarto, de sofrer um derrame, de passar a ter insufici\u00eancia card\u00edaca, de morrer por qualquer doen\u00e7a cardiovascular, ou de morrer por qualquer causa que seja. \u00c9 claro que, partindo dessa refer\u00eancia (10 a 15 gramas), quanto maior o consumo de sal, maior o risco de morte ou doen\u00e7a cardiovascular. A surpresa \u00e9 que, partindo da refer\u00eancia de 10 a 15 gramas de sal por dia, o risco de morte ou doen\u00e7a cardiovascular tamb\u00e9m aumentava na medida em que o consumo de sal diminu\u00eda<\/strong>. E esse aumento do risco foi bem acentuado, como d\u00e1 para ver pelo gr\u00e1fico.<\/p>\n

Os autores tomaram tantos cuidados que nem tenho como list\u00e1-los aqui. Mesmo assim, fa\u00e7o quest\u00e3o de dizer que o gr\u00e1fico acima foi feito depois das an\u00e1lises terem sido ajustadas para uma s\u00e9rie de fatores de confus\u00e3o, como por exemplo o fato de a pessoa j\u00e1 ter alguma doen\u00e7a cardiovascular no in\u00edcio do acompanhamento. Al\u00e9m disso, os autores confirmaram os resultados repetindo as an\u00e1lise sem levar em considera\u00e7\u00e3o as mortes e os adoecimentos que aconteceram no in\u00edcio do acompanhamento, para evitar a confus\u00e3o por doen\u00e7as preexistentes cujo diagn\u00f3stico ainda n\u00e3o tivesse sido feito.<\/p>\n

Al\u00e9m dos cuidados tomados durante a coleta e a an\u00e1lise dos dados, outro fator que refor\u00e7a a confiabilidade dos resultados do estudo PURE<\/span> \u00e9 que eles coincidem com os resultados de outras pesquisas. O American Journal of Hypertension<\/cite> publicou em 2014 uma revis\u00e3o de todos os estudos relacionando o consumo de sal com eventos cardiovasculares maiores e morte por quaisquer causas<\/a>, e chegou essencialmente \u00e0s mesmas conclus\u00f5es do estudo PURE<\/span>, ainda que com menos detalhes.<\/p>\n

O \u00fanico por\u00e9m a estes estudos, tanto o novo quanto aqueles inclu\u00eddos na revis\u00e3o, \u00e9 que todos foram observacionais, e n\u00e3o de interven\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o, o que podemos dizer com esse estudo \u00e9 que, por exemplo, as pessoas que consomem pouco sal (menos de 7,5 gramas de sal por dia) t\u00eam chances 77% maiores de morrer por doen\u00e7as cardiovasculares do que as pessoas com um consumo mediano (10 a 15 gramas). Isso sugere, mas n\u00e3o nos permite afirmar, que as pessoas que consomem pouco sal poderiam diminuir seu risco aumentando esse consumo, ou que as pessoas com um consumo mediano poderiam aumentar seu risco diminuindo seu consumo de sal.<\/p>\n

A melhor forma de termos certeza sobre o que aconteceria com as pessoas caso elas mudassem o consumo de sal \u00e9 atrav\u00e9s de estudos de interven\u00e7\u00e3o, onde os pr\u00f3prios pesquisadores alterariam o consumo de sal das pessoas (com seu consentimento, e aprova\u00e7\u00e3o pr\u00e9via por um comit\u00ea de \u00e9tica em pesquisa) e veriam o que aconteceria. Infelizmente, \u00e9 pouco prov\u00e1vel que algum dia esse estudo seja feito, levando em considera\u00e7\u00e3o os custos e outras dificuldades decorrentes de incluir dezenas, provavelmente centenas de milhares de pessoas num estudo de interven\u00e7\u00e3o. Por outro lado, j\u00e1 existem estudos de interven\u00e7\u00e3o a curto prazo mostrando que consumir sal de menos pode alterar certos mecanismos do corpo, o que poderia explicar esse aumento de risco observado. Tamb\u00e9m existem estudos de interven\u00e7\u00e3o com um grupo mais restrito de pessoas, que s\u00e3o aquelas com insufici\u00eancia card\u00edaca.<\/a> Ainda n\u00e3o h\u00e1 consenso, mas alguns estudos de interven\u00e7\u00e3o conclu\u00edram haver um limite abaixo do qual o sal fa\u00e7a falta para essas pessoas. (De qualquer forma, pessoas com insufici\u00eancia card\u00edaca t\u00eam que discutir o assunto com seu m\u00e9dico, e n\u00e3o decidirem sozinhas seu consumo de sal.)<\/p>\n

O estudo PURE<\/span>, junto de outros estudos de observa\u00e7\u00e3o inclu\u00eddos naquela revis\u00e3o, s\u00e3o os melhores estudos j\u00e1 feitos para avaliar a rela\u00e7\u00e3o entre o consumo de sal e as doen\u00e7as cardiovasculares. O problema \u00e9 que eles contradizem um senso comum (“quanto menos sal, melhor”), constru\u00eddo ao longo das d\u00e9cadas a partir de estudos menores ou que n\u00e3o abordavam diretamente a quest\u00e3o. Ao menos por enquanto, as sociedades cient\u00edficas e autoridades ainda n\u00e3o mudaram suas orienta\u00e7\u00f5es, e nem a grande maioria dos m\u00e9dicos, enfermeiros e nutricionistas.<\/p>\n

Com certeza, esse estudo n\u00e3o muda em nada a abordagem da press\u00e3o arterial. Pelo menos para as pessoas com a press\u00e3o igual ou maior do que 12 por 8 cent\u00edmetros de merc\u00fario (120 por 80 mil\u00edmetros de merc\u00fario), quanto menor a press\u00e3o, melhor para a pessoa. Vale a pena lembrar que a mortalidade cardiovascular est\u00e1 diminuindo no Brasil<\/a>, e que um dos motivos para isso parece ser a melhoria no controle da press\u00e3o arterial, gra\u00e7as \u00e0 expans\u00e3o da Estrat\u00e9gia Sa\u00fade da Fam\u00edlia<\/a>.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, a recomenda\u00e7\u00e3o de reduzir o consumo de sal continua valendo para as pessoas que consomem mais sal do que a m\u00e9dia. O estudo PURE<\/span> acabou de refor\u00e7ar a possibilidade de que a proibi\u00e7\u00e3o de saleiros sobre a mesa de restaurantes<\/a> fa\u00e7a bem para a nossa sa\u00fade.<\/p>\n

Por outro lado, parece que as pessoas medianas acabaram de ganhar uma desculpa para n\u00e3o reduzir seu consumo de sal. Como eu contei algum tempo atr\u00e1s<\/a>, os brasileiros consomem em m\u00e9dia 11,4 gramas de sal por dia. Esse valor \u00e9 muito pr\u00f3ximo aos 11,8 gramas de sal por dia (4,7 gramas de s\u00f3dio), que foi o valor mediano no estudo PURE<\/span>, e foi usado como refer\u00eancia naquele gr\u00e1fico l\u00e1 em cima. Ali\u00e1s, em um outro artigo<\/a>, os autores do estudo PURE<\/span> mostraram que a press\u00e3o arterial m\u00e9dia<\/del> a m\u00e9dia di\u00e1ria do consumo de sal<\/ins> era muito parecida entre os pa\u00edses, variando de 9,5 na Mal\u00e1sia at\u00e9 14,0 na China.<\/p>\n

E as pessoas que consomem menos sal do que a m\u00e9dia, ser\u00e1 que devem aumentar seu consumo? Como eu j\u00e1 disse, o estudo PURE<\/span> sugere que sim, mas n\u00e3o permite afirma\u00e7\u00f5es. De qualquer forma, a maioria das pessoas que consome pouco sal tem preocupa\u00e7\u00f5es bem espec\u00edficas com sua sa\u00fade. Nesse caso, \u00e9 melhor conversar com um profissional de sa\u00fade antes de mudar o consumo de sal.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Consumir pouco sal parece ser ainda pior do que consumir sal em excesso.<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[22,124,45,34,100,72],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3937"}],"collection":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=3937"}],"version-history":[{"count":18,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3937\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":4270,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/3937\/revisions\/4270"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=3937"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=3937"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=3937"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}