{"id":4212,"date":"2015-12-03T11:00:21","date_gmt":"2015-12-03T13:00:21","guid":{"rendered":"http:\/\/leonardof.med.br\/?p=4212"},"modified":"2023-11-15T16:24:46","modified_gmt":"2023-11-15T19:24:46","slug":"a-visao-de-um-medico-de-familia-sobre-o-rastreamento-do-cancer-de-prostata","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/leonardof.med.br\/2015\/12\/03\/a-visao-de-um-medico-de-familia-sobre-o-rastreamento-do-cancer-de-prostata\/","title":{"rendered":"A vis\u00e3o de um m\u00e9dico de fam\u00edlia sobre o rastreamento do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata"},"content":{"rendered":"

No m\u00eas de outubro, o Instituto Lado a Lado Juntos pela Vida e a Sociedade Brasileira de Urologia realizam uma campanha (Novembro Azul) para estimular os homens a fazer exames de rastreamento do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, Ao contr\u00e1rio do que muita gente acredita, essa n\u00e3o \u00e9 uma campanha do Minist\u00e9rio da Sa\u00fade. Na verdade, Minist\u00e9rio da Sa\u00fade e Instituto Nacional do C\u00e2ncer (INCA) n\u00e3o recomendam o rastreamento do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata<\/strong>, por considerarem que os malef\u00edcios superem os benef\u00edcios.<\/p>\n

Neste ano a imprensa percebeu que n\u00e3o existe um consenso em torno do assunto, e o debate ganhou destaque nacional atrav\u00e9s de ve\u00edculos como a Folha de S\u00e3o Paulo e o Jornal Nacional. Como as evid\u00eancias cient\u00edficas atuais s\u00e3o basicamente as mesmas de quando discuti o rastreamento do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata em 2010<\/a>, prefiro trazer hoje outra abordagem: explicar como m\u00e9dicos de fam\u00edlia e urologistas podem ter pontos de vista t\u00e3o diferentes sobre a quest\u00e3o.<\/p>\n

<\/p>\n

Diz um ditado (entre os m\u00e9dicos) que todo homem vai ter c\u00e2ncer de pr\u00f3stata um dia, desde de que n\u00e3o morra antes por outra causa. Realmente, o c\u00e2ncer de pr\u00f3stata \u00e9 o segundo c\u00e2ncer mais comum entre os homens, e sua ocorr\u00eancia aumenta com a idade. Por isso mesmo, eu j\u00e1 tive um bocado de pacientes com c\u00e2ncer de pr\u00f3stata. (Estou falando de meus pacientes no passado porque n\u00e3o estou atendendo. Com a exce\u00e7\u00e3o de um ou dois pacientes com c\u00e2ncer de pr\u00f3stata avan\u00e7ado, eles devem estar todos muito bem, obrigado.)<\/p>\n

Curiosamente, na maioria dos casos, nem eu, nem eles sab\u00edamos que eles tinham c\u00e2ncer de pr\u00f3stata.\u00a0Um dos motivos para isso \u00e9 que, seguindo o as orienta\u00e7\u00f5es do INCA, eu n\u00e3o fa\u00e7o rastreamento sistem\u00e1tico de c\u00e2ncer de pr\u00f3stata. Em outros termos, eu n\u00e3o fico estimulando homens saud\u00e1veis e sem sintomas a fazerem toque de pr\u00f3stata e dosagem de PSA no sangue mesmo.<\/p>\n

Outro motivo para esse desconhecimento \u00e9 que o c\u00e2ncer de pr\u00f3stata \u00e9 geralmente pouco agressivo. Principalmente em popula\u00e7\u00f5es que n\u00e3o fazem rastreamento, \u00e9 comum uma necr\u00f3psia (“aut\u00f3psia”) encontrar c\u00e2ncer na pr\u00f3stata de homens idosos que morreram por outras causas.<\/p>\n

O terceiro motivo \u00e9 que nem o toque de pr\u00f3stata, nem a dosagem de PSA, nem ambos em conjunto conseguem garantir que um homem n\u00e3o tenha c\u00e2ncer de pr\u00f3stata. O toque s\u00f3 examina a superf\u00edcie de um lado da pr\u00f3stata, e o PSA demora tanto a ficar claramente alterado que em alguns casos o toque detecta o tumor antes.<\/p>\n

Apesar de ambos os exames n\u00e3o serem bons o suficiente para fazer rastreamento de c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, eles s\u00e3o o que eu (ou qualquer m\u00e9dico) posso usar para os casos em que um paciente opte por fazer o rastreamento mesmo assim, ou quando o paciente tem algum sintoma que possa indicar c\u00e2ncer. Quando os exames indicam a possibilidade de c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, eu encaminho o homem ao urologista.<\/p>\n

Toda vez que eu encaminho um homem ao urologista para confirmar uma suspeita de c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, eu sei que existe uma chance razo\u00e1vel de o urologista pedir\u00a0uma bi\u00f3psia de pr\u00f3stata<\/strong>. Esse exame usa um aparelho introduzido pelo \u00e2nus para retirar pequenos peda\u00e7os da pr\u00f3stata usando agulhas especiais. Al\u00e9m de o exame n\u00e3o ser muito simp\u00e1tico, ele pode causar infec\u00e7\u00e3o generalizada<\/strong> (sepse) ou muita dor<\/strong>. Hoje em dia se usa antibi\u00f3tico profil\u00e1tico e anestesia local para diminuir o risco dessas complica\u00e7\u00f5es, mas elas ainda podem acontecer.<\/p>\n

Quando a bi\u00f3psia de pr\u00f3stata mostra c\u00e2ncer, o tratamento fica por parte do urologista. O tratamento mais comum \u00e9 uma forma de prostatectomia<\/strong>, ou seja, uma forma de cirurgia para retirar a pr\u00f3stata; essa cirurgia pode causar incontin\u00eancia urin\u00e1ria<\/strong> (perda de urina involunt\u00e1ria) e\/ou impot\u00eancia sexual<\/strong> (disfun\u00e7\u00e3o er\u00e9til). Apesar de pesquisas mostrarem que n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio fazer cirurgia quando o c\u00e2ncer de pr\u00f3stata \u00e9 pouco agressivo, o paciente que tem c\u00e2ncer de pr\u00f3stata pouco agressivo corre o risco de ser submetido \u00e0 cirurgia mesmo assim, e com a cirurgia vem o risco da incontin\u00eancia urin\u00e1ria e da impot\u00eancia sexual. Boa parte de meus “pacientes com c\u00e2ncer de pr\u00f3stata” tinham sido curados de seus c\u00e2nceres, e vinham queixar-se para mim dessas complica\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

J\u00e1 tive um paciente com c\u00e2ncer de pr\u00f3stata avan\u00e7ado; ele j\u00e1 estava assim quando se tornou meu paciente. Mesmo usando analg\u00e9sicos potentes, ele tinha dores \u00f3sseas por causa da met\u00e1stase<\/strong> (dissemina\u00e7\u00e3o)\u00a0do c\u00e2ncer. Foi esse paciente quem me deu a defini\u00e7\u00e3o mais interessante que j\u00e1 ouvi para sa\u00fade, mas isso \u00e9 assunto para outro dia. O fato \u00e9 que a situa\u00e7\u00e3o desse paciente \u00e9 exatamente o que n\u00f3s, m\u00e9dicos, gostar\u00edamos de poder prevenir.<\/p>\n

Os urologistas passam boa parte de seu tempo cuidando de pacientes com c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, alguns deles em est\u00e1gio avan\u00e7ado. Al\u00e9m dessa experi\u00eancia profissional, eles sabem que o c\u00e2ncer de pr\u00f3stata \u00e9 comum e que, por isso mesmo, os c\u00e2nceres de pr\u00f3stata mais agressivos (que s\u00e3o a minoria) s\u00e3o uma das principais causas de morte entre os homens. Fica f\u00e1cil entender por que (no Brasil) os urologistas\u00a0defendem o rastreamento do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata – ainda mais quando o urologista\u00a0\u00e9\u00a0remunerado por procedimento (consulta, bi\u00f3psia, cirurgia).<\/p>\n

J\u00e1 o m\u00e9dico de fam\u00edlia e comunidade passa a maior parte do tempo cuidando de pacientes razoavelmente saud\u00e1veis, inclusive pacientes com doen\u00e7as urol\u00f3gicas corriqueiras e, como j\u00e1 disse, alguns casos de c\u00e2ncer de pr\u00f3stata. Quando o m\u00e9dico de fam\u00edlia pede um exame de PSA e realiza o toque da pr\u00f3stata, ele sabe que isso pode fazer com que a pessoa passe por bi\u00f3psia mesmo sem ter c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, e que no caso de haver c\u00e2ncer de pr\u00f3stata a pessoa pode ser operada mesmo sem necessidade. Como cada um desses procedimentos envolve riscos e gastos (em tempo e dinheiro) diretos ou indiretos para o paciente. Al\u00e9m disso, quando o m\u00e9dico de fam\u00edlia \u00e9 remunerado proporcionalmente \u00e0 carga hor\u00e1ria ou ao n\u00famero de pacientes, realizar um procedimento significa abrir m\u00e3o de um tempo que poderia ser utilizado de outras formas, em benef\u00edcio daquele mesmo paciente ou de outros.<\/p>\n

Enquanto os casos de c\u00e2ncer de pr\u00f3stata disseminados s\u00e3o dram\u00e1ticos e raros, esses revezes associados ao rastreamento s\u00e3o menos graves mas muito mais comuns (se o rastreamento for realizado). Quando se tem centenas de pacientes potencialmente candidatos \u00e0 realiza\u00e7\u00e3o do rastreamento do c\u00e2ncer de pr\u00f3stata, nenhum dos quais ser\u00e1 (provavelmente) beneficiado pelo rastreamento, \u00e9 que se percebe como o rastreamento pode fazer mais mal do que bem.<\/p>\n

O c\u00e2ncer de pr\u00f3stata \u00e9 uma doen\u00e7a muito importante, e eu realmente gostaria de que houvesse alguma forma eficaz e segura de diminuirmos o sofrimento e as mortes prematuras que ele causa. O problema \u00e9 que, infelizmente, ainda n\u00e3o h\u00e1.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

\u00c9 preciso ter centenas pacientes candidatos ao rastreamento para entender como ele pode fazer mais mal do que bem.<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[7,84,143,72],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4212"}],"collection":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=4212"}],"version-history":[{"count":10,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4212\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":4223,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/4212\/revisions\/4223"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=4212"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=4212"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/leonardof.med.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=4212"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}