O Ministério da Saúde anunciou recentemente a assinatura de um contrato com a Associação Brasileira da Indústria Alimentícia (Abia), renovando por mais 3 anos o Fórum da Alimentação Saudável. Esse fórum, composto também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi responsável pela retirada de 230 mil toneladas de gordura trans dos produtos alimentícios em 2009, segundo a própria Abia. Além de conseguir que todas as empresas restrinjam a gordura trans em seus alimentos (hoje em dia 94,6% teriam adotado a medida), o objetivo do fórum passou a incluir a diminuição dos teores de sódio e glicose nos produtos alimentícios.
A importância do acordo foi ressaltada por um levantamento publicado recentemente pela Anvisa. O levantamento mostrou, por exemplo, que a quantidade de sódio em uma marca de batata palha foi 14 vezes maior que em outra; e que uma porção de macarrão instantâneo contém 167% do sódio que uma pessoa adulta pode ingerir num dia. O mesmo levantamento também descobriu que a glicose é responsável por cerca de 10% da composição dos refrigerantes, sucos e néctares analisados.
Pessoalmente, uma das informações que mais me chamou a atenção no anúncio do Ministério da Saúde foi a importância do Fórum da Alimentação Saudável na retirada da gordura trans dos produtos alimentícios (alimentos processados industrialmente). Enquanto consumidor, o que percebi foi uma enxurrada de matérias em televisão, revistas e jornais sobre os malefícios da gordura trans, seguidos de ampla redução de gordura trans nos produtos alimentícios, fartamente divulgada em suas respectivas embalagens. Parece, no entanto, que o papel de conscientização da mídia não foi tão decisivo assim. O acordo para redução de gordura trans já tinha sido estabelecido.
O Brasil está implementando a Estratégia Global de Atividade Física e Dieta, elaborada nos últimos anos pela Organização Mundial da Saúde. Um dos fundamentos dessa estratégia é que o estilo de vida saudável não é alcançado exclusivamente através da iniciativa individual. Existem uma série de medidas coletivas comprovadamente efetivas para reduzir a exposição da população a uma série de fatores de risco, como obesidade, excesso de colesterol no sangue, excesso de glicose no sangue, pressão arterial elevada, e falta de atividade física. Esses fatores de risco representam algumas das principais causas preveníveis de algumas das doenças mais importantes no Brasil e no mundo, como o infarto cardíaco e AVC (derrame). (Leia também: Os 10 maiores fatores de risco para a saúde do Brasil
.)
No meu dia-a-dia como médico de família e comunidade, muitas pessoas se opõem a alterações de seu estilo de vida com base no que aconteceu com seus avôs. Essas pessoas têm histórias na família de pessoas que fumaram, comeram carne de porco ou conservaram sua comida em banha de porco, e mesmo assim viveram até idades avançadas. É claro que quem me conta isso ainda está vivo, então ainda não sei com que idade essa pessoa vai morrer. Pode ser que a família tenha uma genética boa. Mas essas pessoas também se esquecem de que seus antecedentes tinham um estilo de vida muito melhor em outros aspectos — atividade física, por exemplo. Além disso, seus avôs comiam comida, e não produtos alimentícios. Os alimentos processados industrialmente recebem geralmente uma série de ingredientes nada saudáveis, e não estou falando de aditivos como corantes, flavorizantes ou conservantes. Estou falando é de sal, açúcar, gordura trans.
Um livro sobre a indústria alimentícia destacou, por exemplo, que 75% a 80% do sódio consumido pelos americanos vem dos produtos alimentícios. Essa proporção é bem parecida na Inglaterra, e acredito que no Brasil também. (Leia também: De onde vem o sal que você consome?
) A experiência internacional mostra ser possível reduzir imediatamente 10% a 25% do teor de sódio dos produtos alimentícios, sem gerar rejeição nos consumidores, e a partir daí reduzir o teor de sódio para níveis 50% menores ao longo de 10 anos, como será feito no Brasil. Além disso, em três países foram realizados estudos de custo-efetividade (custo-benefício), segundo os quais a economia no tratamento de infarto, derrame e outras doenças é várias vezes maior que os gastos na redução do sódio nos alimentos.
Em cerca de uma semana pretendo dividir com vocês os resultados de um estudo científico sobre o impacto de uma iniciativa como essa do Brasil, na restrição do sódio. Até lá, que tal começar a olhar o rótulo dos produtos alimentícios para saber o teor de sódio?
Melhor ainda: que tal comer mais comida de verdade?
Atualização: O artigo “Sal de menos parece fazer mal à saúde” traz uma nova perspectiva sobre o assunto.
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Excelente artigo Leo. Excelente.
Me lembra da minha pipoca com Sazon… e do dia que passei mal porque comi farofa pronta no ano novo e bebi pouca água. Quase infartei nos dois.
Vida saudável é difícil. O problema é que o sendentarismo não é o único impecílio. É muito muito muito fácil se alimentar mal, porque o que é mais fácil e mais barato geralmente não presta, mas é o que se compra, principalmente quando não se tem muito tempo nem muita grana (será QUASE todo mundo?).
Gostei muito da diferenciação entre comida x produto alimentício… bem lembrado. Dá pra gastar horas pensando nisso.
Um abraço, gsotei mesmo dessa.
Andre.
Obrigado, Andre. Sobre a diferença entre comida e produto alimentício, dê uma olhada neste artigo. Tem direito até a uma apresentação do TED Prize com Jamie Oliver.
Oi Leo, vc tem razão. Nem lembrava. E olha que eu divulguei o vídeo do TED do Jamie no pediatraemcasa, hein? Nem lembrava.
Mas muito bom de qualquer jeito.
Vamos torcer.
Ainda acho que uma boa soluçao é sobretaxar de impostos o açúcar e o sódio dos produtos industrializados grama-dependente. Quanto mais açúcar, mas impsto. Talvez fosse interessante ver. O cara ia ter que usar menos, porque ninguém ia pagar mais caro pra comer coisa doce ou salgada… o que você acha?
Um abraço.
Concordo. Se o desperdício fosse mais caro que a reciclagem, se os produtos menos saudáveis fossem os mais caros, muita coisa iria mudar.
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