Arquivo mensais:novembro 2011

Visita domiciliar de bicicleta

O médico de família e comunidade Paulo Poli, de Florianópolis, virou garoto-propaganda do uso de bicicleta como transporte urbano. Além de ir trabalhar de bicicleta, vencendo uma distância de 13,5 km em meia hora, ele também usa o veículo para fazer suas visitas domiciliares. A unidade de saúde em que ele trabalha divulgou a experiência em seu blog, e a seguir foi a vez da rede de televisão local e da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

Houve uma época em que eu também usava bicicleta para fazer visita domiciliar, porque meus pacientes se distribuíam em uma área relativamente extensa. Hoje em dia prefiro ir a pé, já que as distâncias são bem menores. Também não posso ir ao trabalho de bicicleta, porque o trajeto inclui um trecho com o sugestivo apelido de “curva da morte”.

Fotografia de garota andando de bicicleta, vista de perfil.

Conheço muitos agentes comunitários de saúde que fazem suas visitas domiciliares de bicicleta, própria ou cedida pela secretaria municipal de saúde. E você, o que acha? Já trabalhou (ou foi ao trabalho) de bicicleta? Quais foram as vantagens, e desvantagens, que percebeu?

Gravidez na adolescência é causada por trauma de infância

De acordo com o IBGE, 5,5% das adolescentes com 15 a 17 anos de idade já tiveram um ou mais filhos. Não estou aqui para dizer se uma adolescente pode ou deve ter filhos, mas vários estudos mostram que uma gravidez na adolescência pode trazer uma série de consequências negativas tanto para a mãe quanto para o filho. É impressionante como uma garota pode engravidar sem querer, com tanta facilidade de informação e acesso a métodos de planejamento familiar (camisinha, pílula etc.), ou como uma garota possa decidir engravidar e assim prejudicar seu futuro nos estudos e no trabalho.

Quando lidamos com os adolescentes, vemos que a realidade é muito mais complexa. Poucas vezes a gravidez pode ser considerada como um acidente completo; muitas vezes o casal sabia que corria o “risco” de engravidar, ou então a gravidez foi mesmo planejada. O frequente abandono dos estudos pode não parecer importante para a adolescente, e às vezes a ordem é inversa: primeiro a adolescente abandona os estudos, e depois engravida. O namoro, união estável ou casamento com uma pessoa já estabelecida profissionalmente pode ser um motivo para a adolescente abandonar os estudos, ou pelo menos não abortar em caso de gravidez acidental. Por fim, uma gravidez pode significar para a adolescente um meio de ganhar prestígio social, ou mesmo de sair de uma família inadequada.

Fotografia da barriga de um gestante, a partir do chão.

Na década de 90, o CDC realizou, em convênio com o plano de saúde Kaiser Permanente, um estudo com 17 mil pessoas adultas, examinando a relação entre o estado de saúde atual e uma série de traumas de infância (e adolescência), conhecidos tecnicamente como experiências adversas na infância. Os traumas de infância estudados incluem maus-tratos físicos (bater não educa!), emocionais e sexuais, negligência emocional ou física, e o testemunho de problemas familiares como agressão física da mãe, uso de drogas (inclusive álcool) por alguém da casa, adoecimento mental de alguém da casa, divórcio ou separação dos pais, ou envolvimento de familiares em crimes.

O grupo confirmou que os traumas de infância estão associados a um comportamento menos saudável e a mais problemas de saúde. Ano passado eu já tinha listado as principais doenças da mulher e do homem brasileiros, bem como os principais fatores de risco (da mulher e do homem) que levam essas pessoas a adoecer; o terceiro elo dessa cadeia seriam os traumas de infância.

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Última semana para votar no Doutor Leonardo

Você já votou no Doutor Leonardo de novo?

Daqui a menos de uma semana acaba a votação para a segunda e última etapa do prêmio Top Blog 2011, que vai escolher (entre outras categorias) os melhores blogs profissionais da área da saúde. Os votos da primeira etapa não estão mais valendo, por isso você precisa votar de novo.

Captura de tela da página de votação

O botão de votação é bem discreto: ele é azul, pequeno, e fica num canto à direita da identificação do blog.

Ao clicar nele, vai aparecer uma caixa azulada com duas opções: votar usando o Twitter ou votar usando o e-mail. Escolha a sua opção favorita, e forneça seus dados. Se você optar pelo e-mail, vai receber um e-mail pedindo sua confirmação.

Importante: depois de votar, você vai receber a mensagem “Voto realizado com sucesso.” Se você não receber, é porque faltou alguma coisa!

Aproveite para votar agora: clique aqui!

Cúpula Ibero-Americana recomenda especialização em medicina de família e comunidade

A Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade publicou um suplemento sobre a 3ª Cúpula Ibero-Americana de Medicina Familiar, realizada em 2008 no Ceará. A cúpula contou com mais de 300 participantes, representando os ministérios da saúde de seus países (América Latina, Portugal e Espanha), e ainda Organização Panamericana de Saúde e Organização Mundial dos Médicos de Família e suas afiliadas ibero-americana e brasileira.

Jangada na praia em Beberibe (Ceará).

O relatório final da cúpula, conhecido como Carta de Fortaleza, é um documento político que contém recomendações para a melhoria da equidade, da integralidade e da qualidade dos sistemas de saúde. Confira um trecho:

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Segurança do ibuprofeno e do paracetamol no tratamento de febre em crianças

Qualquer bula de medicamento tem uma lista interminável de efeitos colaterais, especialmente no caso dos remédios mais antigos e conhecidos. Além disso, na maioria das vezes, a bula não autoriza o uso de medicamentos em bebês, que são mais frágeis e por isso costumam ser excluídos de estudos sobre a segurança dos medicamentos. Até mesmo os medicamentos mais usados contra a febre, como paracetamol, ibuprofeno e dipirona, são alvo de controvérsia.

Termômetro de mercúrio.

Pesquisadores da Boston University School of Medicine realizaram, na década de 90, uma experiência com nada menos que 84 mil crianças para conferir a segurança de paracetamol e ibuprofeno em crianças levadas ao médico com um quadro de febre aguda. Mais tarde, os pesquisadores analisaram separadamente as crianças com menos de 2 anos de idade, e chegaram às mesmas conclusões para esse grupo.

Não houve qualquer internação por insuficiência renal (rins pararem de funcionar), anafilaxia (um tipo grave de alergia), ou síndrome de Reye. 4 crianças (0,005%) foram internadas por sangramento digestivo (um tipo de hemorragia interna) de baixa gravidade, mas devido à margem de segurança não foi possível saber se o risco com o ibuprofeno é maior do que com o paracetamol.

Ao todo, 795 crianças (0,9%) foram internadas, principalmente pelas infecções que motivaram o uso do medicamento. 2 crianças (0,02%) morreram: uma por meningite, e outra por acidente de trânsito.

A pesquisa não mediu o risco de efeitos colaterais leves ou moderados. Por outro lado, dá a segurança de que, se algum efeito colateral grave tiver passado desapercebido, será algo realmente raro (menos do que 0,01%). Além disso, o estudo incluiu crianças com todo tipo de causa para episódios de febre, principalmente as que estavam mal o suficiente para procurar seus médicos, e portanto mais suscetíveis a ter alguma complicação.

Uma revisão confirmou que os anti-inflamatórios de uma forma geral (como o ibuprofeno) e o paracetamol são seguros para uso durante poucos dias, desde que seja respeitada a dose correta. As contraindicações são principalmente para pessoas em situações especiais, como doença grave nos rins ou fígado, ou desidratação grave; mas nesses casos a pessoa já deveria estar em acompanhamento médico.

A dúvida fica por conta da dipirona. Os médicos no Brasil têm uma experiência muito grande com esse medicamento, mas existem poucos estudos de grande porte sobre sua segurança e eficácia. A dipirona não é vendida em uma série de países, inclusive nos Estados Unidos e Reino Unido, por causa de uma possível associação com a anemia aplástica, uma doença muito rara e muito grave. Ironicamente, no Brasil e outros países onde a dipirona é permitida, a anemia aplástica é mais rara do que no resto do mundo (por aqui são 1,6 casos anuais para cada 1 milhão de pessoas). Em estudos menores, com dezenas de crianças, a dipirona se mostrou tão eficaz e bem tolerada quanto outros medicamentos para febre, como o paracetamol e o ibuprofeno.

Em suma, o uso de ibuprofeno por poucos dias em crianças é tão seguro quanto o de paracetamol, e o uso de dipirona nas mesmas condições é provavelmente tão seguro quanto. A segurança do uso continuado é outra história; nesse caso é preciso consultar um médico, até para fazer um diagnóstico preciso do que é que esteja causando a febre ou dor.

Medicina de família pelos olhos de um estudante

A medicina de família e comunidade também está presente em Portugal, onde a especialidade é chamada de medicina geral e familiar. E é de Portugal que veio essa descrição da medicina de família, escrita pelo estudante de medicina João Pedro Martins Domingos. Ele passou em estágio com o dr. António Sousa Alvim, na USF Rodrigues Miguéis (Centro de Saúde de Benfica), e escreveu o seguinte relatório:

No âmbito da área da Prática de Saúde na Comunidade, integrada no Módulo III, pude entrar em contacto com, provavelmente, um dos mais importantes meios de promoção de saúde na população em geral, o Centro de Saúde. Pude assim, durante as duas semanas compreendidas entre 18 e 29 de Julho de 2011, ter a oportunidade de acompanhar o Dr. António Sousa Alvim na Unidade se Saúde Familiar Rodrigues Miguéis, uma extensão do Centro de Saúde de Benfica, a qual é (posso agora afirmar) um recurso essencial para os habitantes daquela área de Lisboa.

O médico de família, ou de Clínica Geral e Familiar, encontra na sua área de acção profissional uma vasta extensão de problemáticas, patologias e responsabilidades, quer para com os seus doentes/pacientes, quer para com a população na qual estes se inserem. Foi bastante curioso verificar como vários pacientes ao longo destas semanas chegavam ao consultório e congratulavam o Dr. Sousa Alvim pela sua participação no programa da RTP “Prós e Contras” sobre o medicamento, particularmente uma paciente mais idosa, acompanhada pelo seu marido, que chegou a citar o Dr. Sousa Alvim: “Os médicos hospitalares tratam doenças e estão mais focados nas doenças. Nós, os médicos nos centros de saúde, tratamos pessoas”. Ter ouvido esta frase logo no início do estágio pôs-me alerta para a importância que o médico de família pode significar para uma pessoa e a sua vida, muito para além da sua própria saúde. Ao longo das duas semanas este ponto foi-se tornando cada vez mais evidente.

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