Uma dissertação de mestrado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul investigou os fatores associados a uma melhor qualidade da atenção primária à saúde em Curitiba (PR). A primeira conclusão já era esperada: unidades de Saúde da Família (“PSF”) prestam uma atenção melhor que a das unidades tradicionais. A pontuação média das unidades de Saúde da Família foi de 7,4 (numa escala de 0 a 10), enquanto a das unidades tradicionais foi de 6,6.
Mas o mais interessante é que essa foi aparentemente a primeira pesquisa nacional a avaliar a importância da especialização em Saúde da Família. A proporção de pontuações elevadas (maiores ou iguais a 6,6) foi 20% maior entre os especialistas em Medicina de Família e Comunidade e em Enfermagem Comunitária, em comparação aos pediatras, clínicos gerais, ginecologistas-obstetras, médicos sem especialidade, e outros enfermeiros. Essa maior proporção de pontuações elevadas entre os especialistas foi na verdade um engano meu. O estudo não mostrou associação entre a especialidade médica e o escore de qualidade da atenção primária. Aliás, isso faz bastante sentido, já que o instrumento foi criado para avaliar serviços de saúde, e não profissionais.
A autora da pesquisa não poderia ser mais imparcial: além de secretária municipal de saúde de Curitiba, Eliana Chomatas é pediatra.
A pesquisa foi desenvolvida em 2008, e abordou médicos e enfermeiros de cerca de 90% das unidades básicas de saúde do município. A qualidade foi avaliada através do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins e posteriormente adaptado e validado para uso no Brasil. O instrumento consiste em uma série de perguntas elaboradas para investigar até que grau um serviço de saúde possui os sete atributos da atenção primária à saúde:
- Acesso de primeiro contato — Acessibilidade e uso do serviço a cada novo problema ou novo episódio de um problema pelo qual as pessoas buscam atenção à saúde, com exceção das verdadeiras emergências e urgências médicas.
- Longitudinalidade — Existência de uma fonte continuada de atenção, assim como sua utilização ao longo do tempo.
- Integralidade — Leque de serviços disponíveis e prestados pelo serviço de atenção primária.
- Coordenação da atenção — Pressupõe alguma forma de continuidade, seja por parte do atendimento pelo mesmo profissional, seja por meio de prontuários médicos, ou ambos, além do reconhecimento de problemas abordados em outros serviços e a integração deste cuidado ao cuidado global do paciente.
- Atenção à saúde centrada na família — Na avaliação das necessidades individuais para a atenção integral deve-se considerar o contexto familiar e seu potencial de cuidado e, também, de ameaça à saúde, incluindo o uso de ferramentas de abordagem familiar.
- Orientação comunitária — Reconhecimento por parte do serviço de saúde das necessidades em saúde da comunidade através de dados epidemiológicos e do contato direto com a comunidade; sua relação com ela, assim como o planejamento e a avaliação conjunta dos serviços.
- Competência cultural — Adaptação da equipe e dos profissionais de saúde às características culturais especiais da população, para facilitar a relação e a comunicação com a mesma.
Um estudo realizado no Brasil mostrou, por exemplo, que as pessoas têm uma chance 72% maior de relatar altos níveis de saúde quando são atendidas por unidades de saúde com maiores pontuações nesses atributos.
Em suma, a dissertação de mestrado de Eliana Chomatas mostrou que não apenas a Saúde da Família é o rumo certo, mas também que contar com especialistas em Medicina de Família e Comunidade, e em Enfermagem Comunitária, contribui para a qualidade da atenção primária à saúde. Isso reforça o que já disse anteriormente: a população só tem a ganhar com o incentivo financeiro que o Ministério da Saúde criou para os municípios que contratem médicos de família e comunidade em vez de clínicos gerais.
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