Correção: na verdade, a vacinação contra a catapora custaria R$ 15 mil, e não R$ 15, para cada ano de vida ganho. Para entender o engano, confira a errata.
Esse ano o município de Vitória (entre outros lugares) passou por um surto de varicela (catapora). É assim mesmo que funciona: de vez em quando juntam-se muitas crianças que nunca pegaram a doença, e aí todo o mundo pega junto. Mas isso não precisa ser assim para sempre.
Pesquisadores da USP analisaram o custo-benefício (a custo-efetividade) da vacinação contra varicela, e chegaram à conclusão de que sua inclusão no calendário de vacinas de rotina gastaria apenas R$ 15 para cada ano de vida poupado. O estudo foi publicado em novembro de 2008 pela revista científica Vaccine, e foi selecionada para o 1ª Conferência Global de Vacina, realizada naquele ano pela OMS.
Pense nisso: quinze reais por ano de vida. Se eu tiver quinze reais no bolso, não consigo nem passar uma noite num hotel, que se dirá então de um ano.
As conclusões são válidas apenas para o longo prazo, 30 anos, porque as novidades do calendário vacinal sempre são ofertadas inicialmente apenas para as crianças pequenas. Além disso, existe alguma controvérsia sobre aplicar uma dose ou duas da vacina; as conclusões são válidas para uma dose única. Outro fator limitante do estudo é que variações do preço da vacina poderiam influenciar fortemente o custo-benefício.
Vamos supor que uma mulher jovem, de 30 anos de idade, pegue catapora e morra. Sim, é isso mesmo. Varicela é comum, e raramente grave em crianças, mas se contraída na vida adulta ou na terceira idade é mais grave. Seria razoável supor que aquela mulher vivesse até os 80 anos de idade. (A expectativa de vida aos 30 anos de idade é maior que ao nascer.) 50 anos de vida poderiam deixar se ser perdidos, por um custo de 750 reais.
Se essa mesma mulher fosse atropelada, e estivesse correndo risco de vida, qualquer pessoa acharia R$ 750 uma quantia bem razoável para trazê-la de volta à vida. Se o dinheiro não estivesse disponível, a família recorreria a um empréstimo, ou venderia alguns bens. No caso da vacina contra a varicela, tudo é mais fácil. Primeiro, porque o custo é dividido por toda a população brasileira, então ninguém fica endividado e todo o mundo fica protegido. Segundo, porque a pessoa nem chega perto de morrer: continua saudável, sem nunca saber se ia pegar catapora ou não, e com que idade.
Outro benefício seria reduzir o número de doses. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que sejam aplicadas 2 doses, e faz sentido, porque funciona melhor (é mais eficaz). Mas, quando todas as crianças forem vacinadas contra catapora, de quem é que uma criança vai pegar a doença? A diferença de eficácia de uma dose para duas deixará de ser importante.
A pesquisa não é nova, e tenho certeza de que as pessoas certas no Ministério da Saúde já sabem de sua existência. Só não sei se o SUS tem de onde arranjar esses R$ 106 mil por ano.
R$106.000,00 por ano? Será que não? (…).
Bem, eu não tenho a menor idéia de como isso pode ser arranjado, mas eu li recentemente que só o município de São Paulo gasta 1,2 milhões de reais por ano só com reposição de tampas de bueiro roubadas.
Sem falar que, como você disse, quando tivermos uma cobertura vacinal importante, passaremos provavelmente a usar 1 dose apenas, ainda com o benefício do “contágio vacinal”, pois o vírus vacinal (mais brando) pode ser transmitido para uma outra pessoa, sem os riscos da varicela “selvagem”.
Não acredito que isso teria um GRANDE impacto sobre os cofres do SUS.
Agora se forem milhões… mas acho que não deve ser.
Um abraço. Belo artigo, muito oportuno.
Em termos de orçamento público nacional, 106 mil reais é uma ninharia. Volta e meia se descobre que alguma quadrilha desviou milhões de reais dos cofres públicos. O irônico é que, quando se trata de melhorar a saúde da população, fica parecendo que é muito dinheiro, porque até hoje a vacina não foi adotada.
Vc tem ideia de quanto se gastou com tamiflu sem evidência de eficácia (nem antes nem depois da epidemia de gripe A)? Eu não. Mas gastos muito menos estudados são feitos, gastos com ajuda humanitária no Haiti (eu sei, eu sei, não é o ponto aqui).
Mas como aqui não é a França, a gente não vai pra rua queimar tudo. A gente fica em casa, comendo pipoca.
Um abraço, meu amigo variceloso…
PS: O eletricista que está cuidando das fiações lá de casa ligou sexta-feira pra dizer que não foi cuidar das instalações porque está com… varicela… :)) É mole?
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