Qualquer bula de medicamento tem uma lista interminável de efeitos colaterais, especialmente no caso dos remédios mais antigos e conhecidos. Além disso, na maioria das vezes, a bula não autoriza o uso de medicamentos em bebês, que são mais frágeis e por isso costumam ser excluídos de estudos sobre a segurança dos medicamentos. Até mesmo os medicamentos mais usados contra a febre, como paracetamol, ibuprofeno e dipirona, são alvo de controvérsia.
Pesquisadores da Boston University School of Medicine realizaram, na década de 90, uma experiência com nada menos que 84 mil crianças para conferir a segurança de paracetamol e ibuprofeno em crianças levadas ao médico com um quadro de febre aguda. Mais tarde, os pesquisadores analisaram separadamente as crianças com menos de 2 anos de idade, e chegaram às mesmas conclusões para esse grupo.
Não houve qualquer internação por insuficiência renal (rins pararem de funcionar), anafilaxia (um tipo grave de alergia), ou síndrome de Reye. 4 crianças (0,005%) foram internadas por sangramento digestivo (um tipo de hemorragia interna) de baixa gravidade, mas devido à margem de segurança não foi possível saber se o risco com o ibuprofeno é maior do que com o paracetamol.
Ao todo, 795 crianças (0,9%) foram internadas, principalmente pelas infecções que motivaram o uso do medicamento. 2 crianças (0,02%) morreram: uma por meningite, e outra por acidente de trânsito.
A pesquisa não mediu o risco de efeitos colaterais leves ou moderados. Por outro lado, dá a segurança de que, se algum efeito colateral grave tiver passado desapercebido, será algo realmente raro (menos do que 0,01%). Além disso, o estudo incluiu crianças com todo tipo de causa para episódios de febre, principalmente as que estavam mal o suficiente para procurar seus médicos, e portanto mais suscetíveis a ter alguma complicação.
Uma revisão confirmou que os anti-inflamatórios de uma forma geral (como o ibuprofeno) e o paracetamol são seguros para uso durante poucos dias, desde que seja respeitada a dose correta. As contraindicações são principalmente para pessoas em situações especiais, como doença grave nos rins ou fígado, ou desidratação grave; mas nesses casos a pessoa já deveria estar em acompanhamento médico.
A dúvida fica por conta da dipirona. Os médicos no Brasil têm uma experiência muito grande com esse medicamento, mas existem poucos estudos de grande porte sobre sua segurança e eficácia. A dipirona não é vendida em uma série de países, inclusive nos Estados Unidos e Reino Unido, por causa de uma possível associação com a anemia aplástica, uma doença muito rara e muito grave. Ironicamente, no Brasil e outros países onde a dipirona é permitida, a anemia aplástica é mais rara do que no resto do mundo (por aqui são 1,6 casos anuais para cada 1 milhão de pessoas). Em estudos menores, com dezenas de crianças, a dipirona se mostrou tão eficaz e bem tolerada quanto outros medicamentos para febre, como o paracetamol e o ibuprofeno.
Em suma, o uso de ibuprofeno por poucos dias em crianças é tão seguro quanto o de paracetamol, e o uso de dipirona nas mesmas condições é provavelmente tão seguro quanto. A segurança do uso continuado é outra história; nesse caso é preciso consultar um médico, até para fazer um diagnóstico preciso do que é que esteja causando a febre ou dor.