Duas semanas atrás, ao discutir a lista das principais doenças das crianças brasileiras, eu disse que a Saúde da Família (PSF
) estava colaborando para a diminuição da mortalidade infantil, ou seja, em menores de um ano de idade, mas não mostrei qualquer estudo científico que justificasse a afirmação. Não que faltasse comprovação científica; pelo contrário. Achei melhor escrever um artigo só sobre o assunto, de tão importante que ele é.
A expansão da Saúde da Família tem contribuído com a queda da mortalidade em menores de um ano e em menores de 5 anos de idade, e o efeito é ainda maior se não considerarmos as mortes ocorridas no primeiro mês de vida, muitas das quais são inevitáveis. Em especial, a Saúde da Família contribui para a queda da mortalidade por pneumonia e diarreia, que são as duas maiores responsáveis pela carga de doença das crianças brasileiras.
Nos resultados apresentados a seguir já foi descontada a contribuição de uma série de fatores sociais, econômicos e demográficos, e mesmo de algumas características do sistema de saúde de cada cidade, como a proporção de médicos por habitante, a cobertura vacinal e a proporção de mulheres que fazem pré-natal.
Na primeira pesquisa, publicada em janeiro de 2009 pelo American Journal of Public Health, três pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) analisaram registros de mortalidade no período de 1996 a 2004, para todo o país. Confirmou-se que a taxa de mortalidade infantil dos municípios diminuiu à medida que aumentou a cobertura pela Saúde da Família. Os municípios com cobertura igual ou superior a 70% da população tiveram uma taxa de mortalidade infantil 22,0% menor que a dos sem Saúde da Família, enquanto os municípios com cobertura intermediária tiveram reduções também intermediárias.
Dois desses pesquisadores se juntaram a um terceiro, também da UFBA, para realizar mais duas pesquisas sobre a relação entre Saúde da Família e mortalidade de crianças brasileiras menores de 5 anos de idade. Em uma dessas pesquisas, o aumento da cobertura Saúde da Família se mostrou associado à diminuição da proporção de crianças que morreram por causas mal definidas, no período de 2000 a 2006. Os municípios com 70% ou mais da população coberta pela Saúde da Família apresentaram proporções de óbitos por causas mal definidas 50% menores, e proporções de óbitos sem assistência médica 50% menores. Ao contrário do que muita gente acreditaria, o efeito da Saúde da Família foi até um pouco maior em municípios com IDH acima da média brasileira (0,713).
Outra pesquisa, publicada em setembro deste ano no periódico Pediatrics, estudou a relação entre a expansão da Saúde da Família e a diminuição da mortalidade em menores de 5 anos de idade, no período de 2000 a 2005. Quando comparados aos municípios sem Saúde da Família, aqueles com cobertura maior ou igual a 70% apresentaram taxas de mortalidade geral 13% menores, taxas de mortalidade por diarreia 31% menores, e taxas de mortalidade por pneumonia 19% menores, sempre em crianças com menos de 5 anos de idade. O efeito foi ainda maior para a mortalidade pós-neonatal, ou seja, desconsiderando os óbitos com até 28 dias de vida. (No primeiro mês de vida, a proporção de óbitos evitáveis é bem menor.)
Mas os baianos não são os únicos que pesquisam o assunto. Duas semanas atrás escrevi um artigo em homenagem a Dia Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde, e nele comentei um estudo do americano James Macinko e do brasileiro Frederico Guanais sobre a relação entre os agentes comunitários de saúde e as taxas de internação hospitalar. Pois bem, eles se juntaram a outros dois pesquisadores e estudaram a relação entre a queda da mortalidade infantil nos anos de 1999 a 2004 e a expansão da Saúde da Família. A pesquisa descobriu que, para cada 10% de aumento da cobertura da Saúde da Família, a taxa de mortalidade infantil geral cai em 0,4%, a taxa de de mortalidade pós-neonatal geral (de 28 dias até 11 meses e 29 dias de idade) cai em 0,6%, e a taxa de mortalidade infantil por diarreia cai em 1,0%.
Por mais que algumas mortes sejam inevitáveis, os países mais desenvolvidos estão aí para mostrar que ainda podemos diminuir, em muito, a mortalidade infantil. E a Saúde da Família é uma das estratégias para alcançarmos esse objetivo.
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