A catarata e as quedas são alguns dos maiores, e mais frequentes, problemas de saúde entre os idosos. Nós profissionais de saúde costumamos pesquisar a baixa acuidade visual entre os idosos e encaminhar ao oftalmologista, pensando especialmente na prescrição de óculos para a presbiopia (vista cansada) e na cirurgia para os casos mais avançados de catarata.
A cirurgia de catarata é uma das intervenções médicas com maior resultado em termos de qualidade de vida: é uma das raras situações em que podemos efetivamente curar a cegueira. Por isso mesmo, acreditava-se que a cirurgia para catarata seria uma ótima forma de se prevenirem as quedas.
Pessoas saudáveis têm dificuldade para entender a gravidade das quedas em idosos. Idosos frágeis têm um risco muito maior de queda, que pode causar fratura, levando à necessidade de imobilização. A imobilidade, por sua vez, aumenta o risco de pneumonia e de trombose venosa profunda, além de piorar a fragilidade de uma forma geral. A imobilização também piora sensivelmente a qualidade de vida do idoso, e de quem quer que tenha que ajudá-lo em seus cuidados. Por fim, a queda pode afetar qualquer outro órgão além dos ossos. Ano passado, um paciente meu morreu por causa de um traumatismo craniano decorrente se suas quedas.
A prevenção de quedas é tão complexa quanto o próprio problema. Orientações baseadas em bom senso não costumam mostrar efeito em estudos rigorosos, e intervenções mais efetivas nem sempre estão ao alcance das pessoas que mais necessitam.
Em 2012 a Colaboração Cochrane atualizou uma revisão sistemática da literatura científica sobre a prevenção de quedas em idosos morando na comunidade (não em asilos), e só encontrou dois estudos avaliando o efeito da cirurgia de catarata sobre o risco de quedas. Juntos, os dois estudos incluíram 550 pacientes. O número de quedas por ano diminuiu depois da primeira cirurgia de catarata, mas o risco de fratura, não. A segunda cirurgia de catarata não reduziu sequer o número de quedas.
Esse tipo de diferença entre a primeira e a segunda cirurgia é perfeitamente compreensível. A primeira cirurgia é feita quase sempre no olho com mais catarata, e ter um olho bom é muito melhor do que nada. De um olho bom para dois há menos diferença. Na verdade, como a cirurgia de catarata exige que a pessoa fique semanas sem fazer esforço, muitos idosos preferem nem operar o segundo olho.
E agora saiu este estudo, em que cientistas da Universidade de Curtin, na Austrália, analisaram os dados de todas as pessoas com 60 anos de idade ou mais que passaram por cirurgia de catarata numa determinada região da Austrália, de 2001 a 2008. O risco de queda grave, precisando de internação, dobrou depois da primeira cirurgia de catarata, e aumentou em 34% depois da segunda.
Devido à forma como o estudo foi feito, é impossível garantir que os pesquisadores tenham levado em consideração todos os fatores de confusão relevantes. Mesmo assim, o tamanho do estudo conta a favor: ninguém deixa de publicar o resultado de um estudo desse tamanho só porque os resultados não foram os esperados.
Além disso, estudos anteriores dos mesmos pesquisadores com esse mesmo conjunto de dados já tinha identificado melhoria na qualidade da visão, melhoria na qualidade de vida, e até mesmo redução no número de acidentes de trânsito notificados pela polícia (entre os idosos do sexo masculino). Era para o risco de queda ter diminuído.
Acredito que a explicação esteja numa diferença importante entre um estudo e os outros com relação ao comportamento e/ou nível de saúde dos idosos. Para que um idoso caia, ele precisa se colocar em risco. Se o idoso já tem uma casa adaptada, por exemplo, arriscar-se a sair de casa pode aumentar o risco dele cair. Se o idoso estiver doente o suficiente, ele pode continuar sendo cuidadoso, ou nem sair de casa. Se ele estiver saudável o suficiente, seu risco de queda será muito pequeno. Se estiver no meio caminho…
A cirurgia de catarata continua sendo uma das intervenções médicas com maior retorno em qualidade de vida para o paciente. Infelizmente, parece que esse ganho de vida tem um efeito adverso, no risco de internação por queda. Talvez as pessoas que vão operar, ou que já foram operadas de catarata sejam boas candidatas a programas de prevenção de quedas.
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Rafael Nery E Silva
Eu acredito que pelo fato de terem uma significativa melhora na visão os idosos se aventuram a realizarem determinadas tarefas que antes da cirurgia não podiam fazer e por isso se arriscam mais a quedas. Acho que um acompanhamento psicológico pós cirurgia no sentido de conscientiza-los das suas limitações a despeito da melhora na acuidade visual.