Dia 4 de agosto o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e a Fundação Procon-SP enviaram à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) um documento questionando o critério usado pela Agência para autorizar o reajuste das mensalidades de planos de saúde individuais. De acordo com as entidades (leia a nota do Idec e a do Procon-SP), se o critério atual for mantido, daqui a 30 anos o reajuste terá sido de 749% (setecentos e quarenta e nove por cento), contra 275% da inflação:
Para se ter uma ideia do impacto dos reajustes muito acima da inflação ao longo dos anos para o orçamento do consumidor, vamos a um exemplo: um consumidor de São Paulo, de 30 anos, com salário de R$ 3 mil e que contrata o plano de saúde de uma grande operadora com enfermaria, cobertura nacional ambulatorial e hospitalar.
A mensalidade de um plano nessas condições hoje é de R$ 180,74, comprometendo 6,02% da renda desse consumidor hipotético. Daqui a 30 anos esse usuário terá 60 anos e, caso se mantenha o ritmo de reajustes autorizados pela ANS, seu plano custará cerca de R$6.088,44, já considerando o reajuste por mudança de faixa etária – que nesse contrato é de 296,78% para as faixas restantes e o reajuste anual acumulado no período, que é de 749%.
Considerando que o salário desse consumidor será mantido e indexado pelo IPCA, sua remuneração em 2040 será R$ 11.250. Assim, se hoje ele compromete 6,02% de sua renda com o pagamento do plano de saúde, daqui a 30 anos comprometerá 54,12%.
A ANS já está discutindo, desde o dia 1º de junho deste ano, uma alteração dos critérios de reajuste de mensalidades de planos de saúde individuais. Os critérios atuais datam de cerca de 10 anos atrás, e foram usados pelo Procon-SP e pelo Idec para os cálculos que acabei de mencionar. A ANS está mais preocupada com a adequação do reajuste às realidades regionais e à eficiência das empresas, mas o Idec e o Procon-SP defendem que o reajuste também leve em consideração o poder de compra dos consumidores.
Repare que ANS só regula os reajustes dos planos de saúde individuais. Os planos de saúde coletivos, que no Brasil incluem 70% dos segurados, têm seus reajustes negociados diretamente entre as operadoras e os contratantes. Tipicamente, o contratante é uma empresa, que tem um plano de saúde coletivo como um benefício para seus funcionários. De acordo com Daniela Trettel, advogada do Idec, o resultado é que os reajustes são frequentemente abusivos, e a ruptura unilateral dos contratos é maior. Por isso, Procon-SP e Idec defendem que a ANS passe a também regular os reajustes de mensalidades de planos de saúde coletivos.
Desde a década de 70 os economistas sabem que o custo do setor saúde tende a crescer mais que a capacidade de pagamento da sociedade. O SUS deveria ter sido uma resposta brasileira a esse desafio, mas sua falta de recursos impulsionou a expansão dos planos de saúde. (Até o presidente admite que o SUS precisa de mais dinheiro.) Hoje em dia cerca de 22,5% dos brasileiros têm plano de assistência médica, e 7,0% têm plano de saúde odontológico. E essas pessoas não deixam de usar o SUS: além de vigilância epidemiológica e sanitária, vacinação e distribuição de medicamentos, os usuários dos planos de saúde também recorrem ao sistema público para procedimentos que teoricamente seriam cobertos pelo plano. Por isso, os planos de saúde acumulam uma dívida de quase 400 milhões de reais com o Estado brasileiro.
Acontece que os planos de saúde, individuais ou coletivos, só são viáveis por causa do abatimento nos impostos. (Em 2005, por exemplo, a renúncia fiscal foi de 2,8 bilhões de reais.) Se as mensalidades dos planos de saúde individuais continuarem a ser reajustadas nesse ritmo, em 2040 aquele homem de 60 anos de idade do exemplo só conseguirá abater metade do plano de saúde no imposto de renda, porque a soma das mensalidades de um ano será o dobro do imposto.
Se um dia acordássemos e os planos de saúde estivessem tão caros quanto nessa projeção do Idec e do Procon-SP, tenho certeza de que haveria um descredenciamento em massa. Mas o problema vem aos poucos, e a gente se acostuma a tudo
, como diz João Ubaldo Ribeiro. Eu gostaria de dizer que a sociedade brasileira vai impor limites aos planos de saúde, exigir que sejam mais eficientes, mas eu realmente não sei se isso vai acontecer.
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Não sei se a melhor forma é a ANS regular os contratos das PJ (pessoas jurídicas, ou seja, empresas), ou se deveria deixar de regular o preço dos PF (pessoa física, ou seja, o indivíduo). Pelo visto, as empresas ou associações são mais eficazes em negociar que os indivíduos. Acredito inclusive que se a negociação ficar “pau-a-pau”, as seguradoras desistem de vez de ter planos para PF.
Meu plano pessoal é feito atravez de uma associação de médicos… seria impossível ter plano de saúde para 5…
Talvez a ANS devesse sair da jogada, e ao invés de regular os reajustes, algo deveria ser feito, como um conglomerado de pessoas, uma associação de bairro ou de classe, e as pessoas jurídicas começarem a negociar em conjunto. Seria a melhor forma. Talvez ao invés de “melar” a eficaz negociação das empresas, deveriamos promover melhores formas de os indivíduos negociarem em grupo.
Os planos de saúde coletivos não precisam ser contratados por empresas; eles também podem ser contratados por alguns tipos de associação. O problema dessa negociação é que ela ainda é desigual, e por isso o Idec defende que a ANS passe a regular esses contratos de forma a proteger os interesses dos segurados. A portabilidade, por exemplo, não se aplica a planos de saúde coletivos, porque a ANS não regula esses contratos. Acredito que se a portabilidade se aplicasse a planos de saúde coletivos isso facilitaria em muito a negociação.
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Acho que isso não vai ocorrer porque a ANS colocará o valor sempre no limite do suportável, o que obrigará os planos de saúde a cortarem gastos e piorarem a qualidade dos serviços. Teremos alguns efeitos colaterais, como a redução da oferta de atendimentos ambulatoriais em favor dos atendimentos hospitalares. Na UNIMED aqui em Brasília já ocorre isso com a pediatria e psiquiatria. Há cada vez menos clínicas, que trabalham cada vez mais com particular, e aumenta o volume de atendimentos em hospitais conveniados. Sai o especialista e entra o residente.
O que não deixa de ser uma ironia, porque o serviço hospitalar é muito mais gastador que o ambulatorial. Com o descredenciamento dos profissionais de ambulatório, os custos para os pacientes aumentam, diminuindo o acesso ao atendimento ambulatorial. Isso, combinado ao fato do plano de saúde cobrir integralmente as despesas hospitalares, vai estimular as internações hospitalares desnecessárias e/ou preveníveis, piorando ainda mais a eficiência do plano de saúde.
Na medida em que a situação ficar mais apertada, os planos de saúde precisarão escolher entre continuar a ser como um supermercado (
) ou realmente se estruturar para atender às necessidades de saúde dos pacientes. Isso vai depender em grande parte dos valores dos pacientes, e por isso acredito que num primeiro momento os planos de saúde vão continuar a se comportar como supermercados. O sentido contrário só se tornará expressivo quando os próprios pacientes (ou usuários, clientes, consumidores, vida, como queira) perceberem que não está dando certo e que existe uma alternativa.