Há quatro anos, divulguei uma descoberta contraintuitiva: pessoas com sobrepeso (IMC entre o recomendado e a obesidade) pareciam ter uma expectativa de vida maior do que aquelas com o peso dito normal. O estudo tinha concluído isso reunindo 141 pesquisas, com 2,9 milhões de participantes, então isso não era algo para se desconsiderar. O problema era que as principais doenças crônicas não transmissíveis são agravadas pelo sobrepeso (em comparação ao peso recomendado), de forma que os próprios autores do estudo admitiram a necessidade de examinar melhor do que é que essas pessoas estavam morrendo.
No fim das contas, o nó acabou sendo desatado de outra forma, através de um estudo ainda mais apurado, que contradisse as conclusões do anterior.
O novo estudo, publicado pela revista científica The Lancet, reuniu 189 pesquisas, com 3,9 milhões de participantes. A grande diferença é que esse estudo incluiu apenas participantes que nunca tinham fumado, de forma a evitar um grande confundimento: fumar emagrece ao mesmo tempo em que faz mal para a saúde. Isso só foi possível porque, em vez de utilizar reunir os resultados publicados em artigos, os autores revisaram os dados originais de cada um dos 189 estudos, excluindo os fumantes e realizando exatamente as mesmas análises, para então reuni-las em uma grande análise.
O resultado, como dá para ver no gráfico acima, mostra claramente que o IMC mais saudável para a população geral, tanto homens quanto mulheres, é aquele entre 22,5 e 25,0 kg/m². Os quadrados são proporcionais à certeza sobre as estimativas, e as barras verticais indicam o intervalo dentro do qual se tem 95% de confiança que estão os valores verdadeiros. O padrão foi o mesmo em todas as regiões geográficas (não foi analisado qualquer estudo da América do Sul), mas variou um pouco entre as faixas etárias. Dos 35 aos 49 anos de idade, a faixa de IMC com menor risco de morte foi entre 20,0 e 22,5 kg/m², e dos 70 aos 89 anos a faixa de IMC entre 25,0 e 27,5 teve o mesmo risco da faixa 22,5 a 25,0. O melhor IMC também variou conforme a doença investigada: para morte por doença arterial coronariana (angina, infarto) ou câncer, a melhor faixa de IMC foi entre 20,0 e 22,5 kg/m²; para doenças respiratórias (como asma e enfisema) as estimativas entre 22,5 e 27,5 foram ambas muito semelhantes; e para doença cerebrovascular (derrame) as estimativas entre 20,0 e 27,5 kg/m² foram todas muito semelhantes.
Depois de todas essas análises, ficou claro que o melhor IMC pode variar um pouco de uma faixa etária para outra, e de uma doença para outra, mas em nenhuma circunstância o sobrepeso (IMC de 25,0 a 25,9 29,9 kg/m²) é melhor do que o peso recomendado (IMC de 18,5 a 24,9 kg/m²). Essa conclusão é mais coerente com o que conhecemos sobre a relação entre a obesidade e o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, e é mais confiável devido aos métodos utilizados nesse novo estudo.
Vale lembrar que o IMC é mais usado em pesquisas devido à facilidade de ser calculado, mas a circunferência abdominal é considerada um indicador mais fidedigno do risco de adoecimento. Na população, a variação do IMC entre as pessoas se deve principalmente à variação de gordura entre as pessoas; mas individualmente a massa não-gorda (músculo, osso etc.) pode ser uma fonte de variação de IMC. Já a circunferência abdominal varia basicamente com o acúmulo de gordura, tanto debaixo da pele quanto entre as vísceras e dentro delas.