Arquivo do Autor: Leonardo Fontenelle

Médico de família e comunidade é peça-chave no combate às doenças não transmissíveis

Semana passada eu dizia que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são responsáveis por dois terços da carga de doença no Brasil. Mas para enfrentá-las é necessário que o sistema de saúde, e a sociedade como um todo, tenha uma atitude fundamentalmente diferente daquela adotada para combater as doenças transmissíveis.

Para entender melhor essa diferença, destaco abaixo alguns trechos do manifesto internacional dos médicos de família e comunidade, publicado pelo Lancet e (em português) pela Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade:

Embora muito tenha sido aprendido com os programas verticais e orientados à doença, as evidências científicas sugerem que melhores resultados ocorrem quando se enfrenta as doenças por meio de uma abordagem integrada em um sistema de APS forte. Um exemplo é o Brasil, em que a cobertura terapêutica atinge quase 100%, maior do que em países com APS menos robusta. Os programas verticais orientados para HIV/AIDS, malária, tuberculose e outras doenças infecciosas criam duplicidade, uso ineficiente de recursos, lacunas no cuidado de pacientes com múltiplas comorbidades e reduzem a capacidade dos governos ao empurrar os melhores profissionais para fora do setor de saúde pública, concentrando-os no cuidado voltado a uma única doença. Além disso, programas verticais causam desigualdade aos pacientes que não têm a doença “certa”, e drenagem interna dos melhores “cérebros” entre profissionais de saúde.

As lições aprendidas de uma abordagem vertical e orientada para doenças infecciosas e tropicais negligenciadas deveriam nos inspirar a repensar a estratégia para as DCNT. A melhor resposta ao desafio das DCNT é promover cuidados centrados nas pessoas, por meio de investimentos numa APS integrada e fortalecida, incluindo um número suficiente de profissionais bem treinados para tal modelo de atenção. Pelo menos 50% dos profissionais de saúde formados deveriam ser treinados e capacitados aos cuidados de saúde primários.[…] Como resultado, milhões de pessoas poderão ter acesso a cuidados primários de saúde abrangentes, custo-efetivos, de qualidade e que atendam às condições, incluindo as doenças infecciosas e as DCNT.

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Quinhentos leitores

Uma nota rápida para registrar que o Doutor Leonardo já conta com mais de quinhentos leitores regulares, sem contar com as dezenas de milhares de pessoas que visitam o blog todo mês.

Na segunda-feira escrevo sobre a atuação do médico de família e comunidade no controle das doenças não transmissíveis, e na semana seguinte escrevo sobre a medição da pressão arterial pelo agente comunitário de saúde.

Onde está a epidemia de doenças crônicas não transmissíveis?

Todo o mundo sabe que a presidenta Dilma Rousseff foi a primeira mulher a abrir uma sessão da Assembleia Geral da ONU. Mas para nós, da saúde, essa 66ª sessão teve outro diferencial, ainda mais importante: o comprometimento da ONU com o enfrentamento das doenças não transmissíveis, como diabetes mellitus, derrame, infarto, asma, enfisema e câncer.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já vinha promovendo o enfrentamento das doenças não transmissíveis, e é daí que vêm iniciativas como a redução do sal e do açúcar dos alimentos industrializados, a proibição da condução de veículos por pessoas embriagadas, e os altos impostos sobre os cigarros.

Mas o combate às doenças não transmissíveis também exige o compromisso de todos os setores. Para termos uma alimentação saudável, por exemplo, é preciso ter acesso a alimentos saudáveis de forma conveniente e a um baixo custo, ao longo de todo o ano. Colocando em outros termos, para termos uma população brasileira saudável, não basta o compromisso do ministro da saúde; é preciso que a presidência vista a camisa.

De uma forma geral, a declaração política (em inglês) foi muito equilibrada, mas eu não poderia deixar de destacar uma expressão que, infelizmente, muitas pessoas levam a sério demais: epidemia.

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Quer mais dinheiro para a saúde? Divulgue a #primaveradasaude

Eu já tinha divulgado em abril que talvez a Emenda Constitucional nº 29 fosse regulamentada esse ano, mas de três semanas para cá é que as coisas realmente têm progredido. No final de agosto, a Câmara dos Deputados agendou para o dia 28 de setembro a votação do último destaque do projeto de lei que regulamenta a EC29. A seguir, agendou uma sessão para o dia 20 (amanhã!), para discutir o projeto de lei, que já se arrasta desde a legislatura anterior. Dia 13 o presidente da Câmara dos Deputados reafirmou aos prefeitos que a votação seria no dia 28, mas no dia seguinte a votação foi antecipada para o dia 21.

Talvez isso tenha alguma coisa a ver com a Primavera da Saúde, um movimento de várias entidades (inclusive da Frente Parlamentar da Saúde) que planejava um abraço simbólico no Palácio do Planalto e uma entrega de flores à presidenta Dilma Rousseff no dia 27. Não sei se essa manifestação ainda será realizada, mas sei que hoje às 19 horas vai acontecer um tuitaço. Se você é a favor de mais dinheiro para a saúde, com ou sem novo imposto, divulgue isso hoje à noite no Twitter usando a marca #primaveradasaude.

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IPEA: investir em saúde pública aumenta o PIB e reduz a desigualdade

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em seu Comunicado nº 75 de 2011, estimou o impacto econômico de uma série de políticas sociais, inclusive o Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com o IPEA, se o país gastasse mais 1% do seu PIB com saúde, a renda média das famílias aumentaria em 1,44%, e o PIB como um todo aumentaria 1,70%. Ou seja, saúde pública não é gasto, e sim investimento. Além disso, esse aumento do gasto com saúde reduziria em 1,5% o índice de Gini, ou seja, melhoraria a distribuição de renda.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em 2008 o Brasil destinou à saúde pública apenas 3,7% do PIB; por habitante, seriam apenas 385 dólares (ajustados por poder de compra). No Reino Unido, que serviu de exemplo para a criação do SUS, esses valores foram de 7,4% do PIB, ou 2.662 dólares ajustados por habitante. Nossa vizinha Argentina gastou com saúde 5,3% do seu PIB, o que resultou em 757 dólares (ajustados) por habitante, mesmo tendo uma economia empobrecida e um sistema de saúde bem mais restrito (em tese) que o brasileiro.

Ainda neste mês a Câmara dos Deputados deverá votar a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, o que poderia significar um aumento na participação do SUS no orçamento da União. Pretendo voltar ao assunto na segunda-feira (leia: Quer mais dinheiro para a saúde? Divulgue a #primaveradasaude), mas até lá recomendo ler o que já escrevi sobre a Emenda Constitucional nº 29, e conhecer o movimento Primavera da Saúde.

Meditação Transcendental ajuda a controlar pressão arterial

Um de meus artigos favoritos é aquele em que explico como prevenir a hipertensão arterial, ou diminuir a necessidade de medicamentos para seu controle. Hoje volto ao assunto, com um foco na redução do estresse. Há muito tempo se sabe que pessoas mais estressadas têm pressões arteriais mais elevadas, mas nem toda técnica de redução de estresse é capaz de melhorar os níveis de pressão arterial.

A revista científica Current Hipertension Reports publicou uma revisão sobre a eficácia das diferentes técnicas de redução de estresse no controle a pressão arterial. A Meditação Transcendental foi a única técnica comprovadamente eficaz. As outras técnicas incluídas na revisão foram biofeedback, biofeedback assistido por relaxamento, relaxamento muscular progressivo e treinamento para gerenciamento de estresse.

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Espanha confirma eficácia dos genéricos

Este ano o Boletín Terapéutico Extremeño se propôs a verificar se os medicamentos genéricos são realmente eficazes. O periódico, editado pelo governo da região espanhola da Extremadura, revisou as pesquisas realizadas até hoje sobre o assunto, e chegou à seguinte conclusão:

Embalagem de medicamento genérico.

Os estudos clínicos aleatorizados (ECA) e as meta-análises de ECAs não encontraram diferenças […] nos resultados clínicos entre os medicamentos de marca e seus genéricos. Esta evidência é de qualidade moderada e não confirma aquela que aponta no sentido contrário, obtida de estudos observacionais retrospectivos com registros de base populacional, que têm qualidade de evidência baixa (nos pareados) e muito baixa (nos não pareados).

As pesquisas revisadas incluíram principalmente (mas não apenas) medicamentos para o sistema circulatório e o sistema nervoso central. Grande parte dos medicamentos estudados seriam muito sensíveis a eventuais diferenças entre genéricos e originais. Alguns desses medicamentos precisam de ajustes finos de dosagem, e outros têm a dosagem tóxica próxima daquela usada no tratamento.

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Mães inteligentes amamentam os seus filhos

Há mais de 80 anos se sabe que os bebês que recebem aleitamento materno se tornam crianças mais inteligentes. Mas as mães que amamentam seus filhos são mais inteligentes, em média, do que as não amamentam, e a inteligência é em grande parte hereditária. Será, então, que o aleitamento materno aumenta a inteligência das crianças?

Mulher amamentando seu filho.

Pesquisadores escoceses fizeram um estudo completo sobre o assunto. Primeiro, cruzaram informações sobre as mães com informações sobre as crianças; a partir daí, fizeram tanto uma análise hierarquizada quanto uma comparação entre irmãos amamentados e não amamentados. Por fim analisaram em conjunto as pesquisas anteriores sobre o assunto e compararam o resultado dessa análise com os próprios resultados.

O artigo, publicado British Medical Journal, concluiu que o aparente efeito benéfico do aleitamento materno sobre a inteligência infantil é melhor atribuído ao ambiente da criança e, principalmente, à inteligência da mãe.

Os estudos prévios mostravam um aparente benefício da amamentação para a inteligência das crianças. O resultado variava consideravelmente de um estudo para o outro, com os estudos mais refinados encontrando menos associação entre aleitamento materno e inteligência infantil. Por fim, houve evidência de viés de publicação, ou seja, parece que os estudos que encontraram a associação tinham maiores chances de ser publicados.

Essa pesquisa mais recente não invalida a importância do aleitamento materno para o desenvolvimento dos bebês. Os próprios autores enfatizam que todas as pesquisas revisadas, além da deles, foram realizadas em países desenvolvidos, de forma que as conclusões não podem ser automaticamente estendidas aos países menos desenvolvidos. Além disso, o aleitamento materno tem vários outros benefícios (inclusive para as mães!), que não foram abordados no artigo.

De qualquer forma, ficou provado que amamentar os filhos é um sinal de inteligência.

A tuberculose no Brasil, em números

Ano passado escrevi um artigo sobre a evolução dos sintomas da tuberculose, sem citar números. Acontece que manter-me atualizado e escrever neste blog são coisas que andam de mãos dadas, de forma que resolvi escrever um novo artigo sobre o assunto, desta vez esclarecendo a dimensão do problema.

Colônias do bacilo de Koch vistas de perto.

O Brasil é um dos 22 países que detêm 80% da tuberculose do mundo. Em 2010, 71 mil pessoas desenvolveram a doença no país; quase 5 mil morreram. Isso porque hoje em dia já existe um tratamento eficaz e gratuito; antigamente a mortalidade era de 70%.

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Quando fazer o exame preventivo de câncer de colo de útero

O Instituto Nacional de Câncer (Inca) publicou a versão 2011 de suas Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo de Útero. Acredito que as recomendações serão novidade para a maioria dos leitores, então reuni as informações mais importantes sobre quando começar e parar de fazer exames para a prevenção e detecção precoce do câncer de colo uterino:

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