Semana passada eu dizia que as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são responsáveis por dois terços da carga de doença no Brasil. Mas para enfrentá-las é necessário que o sistema de saúde, e a sociedade como um todo, tenha uma atitude fundamentalmente diferente daquela adotada para combater as doenças transmissíveis.
Para entender melhor essa diferença, destaco abaixo alguns trechos do manifesto internacional dos médicos de família e comunidade, publicado pelo Lancet e (em português) pela Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade:
Embora muito tenha sido aprendido com os programas verticais e orientados à doença, as evidências científicas sugerem que melhores resultados ocorrem quando se enfrenta as doenças por meio de uma abordagem integrada em um sistema de APS forte. Um exemplo é o Brasil, em que a cobertura terapêutica atinge quase 100%, maior do que em países com APS menos robusta. Os programas verticais orientados para HIV/AIDS, malária, tuberculose e outras doenças infecciosas criam duplicidade, uso ineficiente de recursos, lacunas no cuidado de pacientes com múltiplas comorbidades e reduzem a capacidade dos governos ao empurrar os melhores profissionais para fora do setor de saúde pública, concentrando-os no cuidado voltado a uma única doença. Além disso, programas verticais causam desigualdade aos pacientes que não têm a doença “certa”, e drenagem interna dos melhores “cérebros” entre profissionais de saúde.
As lições aprendidas de uma abordagem vertical e orientada para doenças infecciosas e tropicais negligenciadas deveriam nos inspirar a repensar a estratégia para as DCNT. A melhor resposta ao desafio das DCNT é promover cuidados centrados nas pessoas, por meio de investimentos numa APS integrada e fortalecida, incluindo um número suficiente de profissionais bem treinados para tal modelo de atenção. Pelo menos 50% dos profissionais de saúde formados deveriam ser treinados e capacitados aos cuidados de saúde primários.[…] Como resultado, milhões de pessoas poderão ter acesso a cuidados primários de saúde abrangentes, custo-efetivos, de qualidade e que atendam às condições, incluindo as doenças infecciosas e as DCNT.